domingo, 31 de março de 2024

China ajuda a impulsionar a integração iberoamericana

O projeto de integração iberoamericana, que aparece nos discursos dos últimos protagonistas de nosso continente como Hugo Chávez, abaixo do conceito de “Pátria Grande”, tem como realidade suas raízes nos processos independentistas que se desenvolveram no século XIX.

Não é por acaso que a ideologia de Chávez passou a ser denominada “bolivarianismo”. O próprio Simón Bolívar poderia considerar um “panamericano” (no princípio incluía um E.U.A. em suas economias). O projeto “mínimo” de Bolívar, como sabemos, baseou-se em um esforço independente da Espanha, sem que os virreinatos se fragmentassem - o que aconteceu, graças aos egoísmos oligárquicos alimentados no seno das logias masónicas filobranquistas.

A América portuguesa, em mudança, permaneceu unificada mesmo depois da independência. Isto se devia em grande parte a que era uma independência guiada por uma autoridade central do próprio Império Português: Pedro, filho do Rei de Portugal. A própria elite luso-brasileira, sem embargo, tinha um projeto de integração que partiria da Argentina, baseado em uma hipotética união dinástica (quando alguns argentinos empezaram abogar pela coroação de Carlota Joaquina, esposa de Juan VI de Portugal, como Rainha do Prata).

O tema da integração continental persistiu e reapareceu no século XX, especialmente sob Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón, mas nunca pôde avançar, quase sempre devido à influência externa em nosso continente.

No caso do Brasil, cabe sinalizar que existe um vínculo entre o tema da integração continental e a “Marcha para o Oeste”, conceito surgido nos albores da ciência geopolítica brasileira, que apontava para a necessidade de “internalizar” a ocupação territorial de nosso país, naquela época com uma demografia majoritariamente custosa.

Sempre se acreditou que os imensos espaços vazios do território brasileiro poderiam representar um risco para a soberania nacional no futuro, já que a falta de ocupação poderia realmente facilitar as intenções de desestabilização através, por exemplo, do separatismo ou mesmo do crime organizado.

Então, um “giro para dentro”, uma reorientação do foco nacional do mar para a terra, da costa para o interior, sempre foi determinada tanto pelas preocupações de segurança nacional quanto pelo desejo de integração continental, tal como descrito por Mário Travassos, considerado um dos pais da ciência geopolítica brasileira.

No centro de ambas as preocupações, portanto, estão os projetos históricos de construção de ferrocarriles (mas também de estradas) para o interior do continente, e mais ainda, unindo o Brasil aos países vizinhos.

O centro desses desejos, por tanto, tem sido o chamado “Corredor Bioceânico”, pelo menos desde a década de 1950, quando o engenheiro Vasco Azevedo Neto idealizou o Ferrocarril Transamericano, que unia os portos baianos aos peruanos, unindo também Mato Grosso e Tocantins como rota prioritária para o transporte de grãos. No entanto, apesar da idealização do projeto, foi feito apenas no papel, ao mesmo tempo em que o Brasil priorizou o desenvolvimento de uma rede ferroviária em detrimento de uma rede ferroviária com multas de integração nacional e continental, assim como de transporte de a produção agrícola brasileira.

O tema, que permaneceu latente até então, foi ressurgido durante o segundo mandato do Presidente Lula, quando ele iniciou os estudos sobre rotas de transporte multimodal que uniam os portos do sudeste do Brasil com Antofagasta (Chile) ou Bayóvar (Peru). Nos anos seguintes, alguns estudos de viabilidade foram realizados sobre as rotas em questão e a China foi incluída no projeto.

Cabe dizer que esses projetos sempre foram realizados na região centro-oeste do Brasil, a principal região agroprodutora do continente, que, junto com a boliviana Santa Cruz, é considerada pela geopolítica iberoamericana clássica como parte do “Heartland” da Sudamérica. A conexão desta zona com os principais portos do Atlântico e do Pacífico responde, por tanto, a interesses geopolíticos fundamentais que fortalecerão a soberania dos países implicados.

A China aparece como o principal financiador do projeto de integração logística da América do Sul no contexto da Iniciativa Cinturão e Rota (a “Nova Rota da Seda”), um esforço ambicioso para conectar a logística de todo o planeta com o fim de racionalizar e facilitar o movimento das mercadorias. Na medida em que os esforços autônomos de integração continental fracassaram (por diversas razões que levaram desde a crise do capitalismo até a inestabilidade política e os golpes de Estado), o impulso chinês apareceu como o trampolim necessário para continuar este projeto.

No entanto, apesar de Lula ter mencionado esta agenda desde 2008-2009 e de os chineses expressarem seu interesse em financiar o projeto de construção dos 5.000 km de estradas de ferro há mais de 10 anos, a rota só tem uns poucos trechos construídos, e a maior parte não passou da fase de estúdio. Porque?

Em primeiro lugar, foi registrado que os anos 2013-2016 coincidiram com a estratégia híbrida de desestabilização do Brasil - multidirecional, multidimensional e com agentes tanto à direita quanto à izquierda -, que começou com a “luta anticorrupção” e os protestos contra o Mundial, as Olimpíadas e o aumento das tarifas de ônibus, e culminou com o golpe da presidente Dilma Rousseff, a quase quebra de inúmeras empresas estratégicas brasileiras (devido à Operação lava-jato) e o encarcelamento ilegal de Lula.

Isso parou não apenas a capacidade de inversão do Brasil, mas também a capacidade de iniciar projetos de infraestrutura em um amplo espaço (além de aumentar a influência atlantista em nosso país).

Mas também podemos ignorar a pressão dos meios de comunicação e das ONG, que ao longo dos anos sempre foi pressionada contra as obras necessárias para construir a via férrea, alegando possíveis danos ao meio ambiente dos tribos indígenas.

Por exemplo, em julho de 2015, El País publicou um artigo intitulado “Ferrocarril patrocinado pela China amenaza 'tierra virgen' en Acre”, referindo-se simultaneamente à narrativa racista de um “peligro amarillo” e supõe riscos medioambientais e antropológicos. No artigo, o El País menciona que é um “grande risco” que o ferrocarril passe “cerca” de aldeias indígenas, o que deveria bastar para cancelar o projeto. E foram famosos no Brasil os casos em que o poder judicial e o Ministério Público embargaram obras de infraestrutura, especialmente carreteras e ferrocarriles, e casos em que ONG e partidos políticos liberais de esquerda foram denunciados por supostos riscos para o meio ambiente o para as tribos indígenas. Um exemplo disso é o estrada de ferro de Sinop, no Mato Grosso, no porto de Miritituba, no Pará, para transporte de cultivos de soja e milho, que foi bloqueado por uma medida cautelar concedida pelo Supremo Tribunal Federal em 2021.

Condições como esta geram um grau de insegurança jurídica que dissuade a inversão em projetos de infraestrutura, que sempre envolvem grandes somas de dinheiro e exigem estabilidade para tratar projetos de longo prazo.

No entanto, após o período de inestabilidade associado ao impeachment e ao governo Bolsonaro, no qual a estrada de ferro Transoceânica foi ignorada, o tema voltou a ser discutido - provavelmente um sinal de que a China reconhece em Lula uma “cara honesta e conhecida” confiável para negociar projetos de larga escala.

Este projeto, por sua vez, está vinculado aos novos projetos do PAC anunciados há alguns meses, alguns dos quais também implicam conexões entre setores produtivos e portos do Pacífico, com 124 obras previstas para unificar a Sudamérica através da infraestrutura, com a ajuda do BNDES, do BID, da CAF e da China.

No entanto, frente a essas possibilidades e ao modus operandi clássico do Ocidente Atlantista, cabe perguntar se as elites globalistas tolerarão realmente este tipo de projetos vinculados à “Nova Rota da Seda” China, sobre todo o momento em que o Atlantismo está sendo expulso da África e questionado na Eurásia e no Oriente Médio.

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