Anarchy in the Levant: the first war against the BRICS |
A Síria, tal como a conhecíamos, está a ser esventrada em tempo real – geográfica, cultural, económica e militarmente – por uma confluência assustadora de turbas de mercenários jihadistas a soldo e de genocidas psicopatológicos que rezam no altar de Eretz Israel.
Tudo isto é totalmente apoiado pelas hienas raivosas da NATO – mestres do controlo narrativo – e está totalmente interligado com a erradicação da Palestina.
Há um sentimento na declarada Maioria Global de que o Eixo da Resistência, momentaneamente esgotado, terá de enlouquecer para se reorganizar, reabastecer e recalibrar a defesa da Palestina.
Previsivelmente, na esfera da NATO, não se ouve nem um pio sobre o bombardeamento selvagem e indiscriminado de Telavive e a tomada de território sírio soberano, uma ilustração flagrante da “ordem internacional baseada em regras” em ação.
O think tank coletivo do Ocidente está entusiasmado. A Chatham House prega uma reconstrução síria neste “momento decisivo” liderada pelos EUA, a UE, o Qatar, a Arábia Saudita e a Turquia, capaz de “forjar um consenso em torno da Síria” que “poderia servir de base para uma nova ordem regional”.
O Center for a New American Security (CNAS), raivosamente anti-BRICS, apela a “expulsar a presença militar russa” da Síria e a “fechar o país como uma via para a projeção de poder iraniano”.
O Eixo da Resistência está de luto? Não tão depressa. O significado mais profundo do “cessar-fogo” entre Israel e o Hezbollah é que, para todos os efeitos práticos, os psicopatas foram derrotados, apesar de terem provocado uma devastação terrível no Sul do Líbano e nos subúrbios de Beirute.
A mudança de narrativa – e de enfoque – face à ofensiva da Grande Idlibistão permitiu uma vitória tática maciça não só para os bandidos de Eretz Israel mas para a NATOstão/Turquia no seu conjunto. No entanto, o verdadeiro cerne da questão começa agora, mesmo quando a divisão da Síria já está em vigor.
A máfia jihadista de aluguer, teoricamente sob o controlo do pretenso califa do Al-Sham, o saudita al-Jolani, cujo verdadeiro nome é Ahmad Ibrahim al-Sha'a, poderá, mais cedo ou mais tarde, voltar-se contra o projeto de Eretz Israel, tendo em conta que manteve relações cordiais com o Hamas em Gaza.
Pelo menos por enquanto, tudo parece estar a correr bem para o plano de Oded Yinon e/ou Bernard Lewis de subjugar a Ásia Ocidental através da estratégia “dividir para reinar”, testada pelo tempo. Isto faz-nos lembrar não só o Sykes-Picot de 1917, mas também o de 1906, quando o primeiro-ministro britânico Henry Campbell-Bannerman declarou
“Há povos [árabes] que controlam vastos territórios repletos de recursos manifestos e ocultos, dominando as intersecções das rotas mundiais. As suas terras foram o berço das civilizações e religiões humanas”.
Assim, se estes “povos” se unissem, “tomariam o destino do mundo nas suas próprias mãos e separariam a Europa do resto do mundo”.
Daí a necessidade de “plantar um corpo estranho” [mais tarde constituído como Israel] “no coração desta nação para impedir a convergência das suas asas de forma a esgotar o seu poder em guerras intermináveis. Poderia também servir de trampolim para o Ocidente atingir os seus objetivos mais cobiçados”.
A alucinação de Eretz Israel não coincide exatamente com o sonho neo-otomano do sultão Erdogan, embora coincidam no impulso mais vasto de redesenhar o mapa do Mediterrâneo oriental e da Ásia ocidental.
Quanto aos excecionalistas, mal podem acreditar na sua sorte. Com um golpe de caneta, acabam de se apoderar do nó estratégico fundamental de uma ideia agora enterrada: o arabismo ou anti-imperialismo no Levante.
Desde que Obama, no início da década de 2010, declarou guerra à Síria – por ordem de Telavive –, o Império do Caos atirou tudo o que tinha a Damasco durante, pelo menos, 13 anos: a mais longa e dispendiosa campanha de mudança de regime da história dos Estados Unidos, completa com sanções tóxicas e fome forçada, até que, de repente, o grande prémio lhe caiu no colo.
O prémio envolve – em teoria – esmagar um aliado dos três principais BRICS, Rússia, Irã e China, com o benefício adicional de o transformar num buraco negro geoeconómico, ao mesmo tempo que se manipula a narrativa para vender “o fim do ditador” à Maioria Global como condição prévia para o surgimento no estilo de um novo Dubai.
Ainda não sabemos como será o que resta da Síria, nem mesmo durante quanto tempo será governada por um bando de salafistas-jihadistas neoliberais de barba aparada e fatos novos e baratos.
O fato é que o Hegemon já controla pelo menos um terço do território sírio há pelo menos uma década e continuará a roubar o petróleo e o trigo sírios com absoluta impunidade: os Piratas do Levante em toda a sua glória.
Em segundo plano, o MI6 do Reino Unido continuará a ser um excelente fornecedor de operações de relações públicas, de lobbying generalizado e de oportunidades de tráfico de armas para o crédulo e heterogéneo grupo mercenário salafista-jihadista.
No que diz respeito a Telavive, estão a destruir a maior oposição militar árabe que resta a Eretz Israel; a roubar/anexar território sem parar; e a sonhar com o domínio total, aéreo e naval, se a Rússia perder as suas bases em Tartus e Hmeimim (é um grande “se”). Para não falar do fato de controlarem indiretamente o novo califa, que lhes pediu docilmente que não conquistassem demasiado território sírio.
A divisão será feita segundo três vetores principais.
1. Bases militares e terrestres controladas pelo hegemon, que poderiam ser utilizadas para atacar o Iraque. Esqueçam uma falsa Síria soberana que recupere os seus campos de petróleo.2. A anexação de terras pela Turquia conduzirá inevitavelmente à tomada total de Alepo (já proclamada pelo Sultão). Damasco é dirigida por um ramo do ISIS diretamente manipulado pelos serviços secretos turcos.3. tudo isto poderá conduzir, já no primeiro trimestre de 2025, a uma espécie de acordo de sionização salafista-jihadista com um único objetivo: aliviar as sanções dos EUA e da UE.
Quanto a Al-Jolani, apesar da sua imagem progressista, foi lugar-tenente de Al-Zarkawi e emir de Nínive durante a ofensiva da Al-Qaeda no Iraque (AQI, mais tarde reconvertida em ISIS) na Mesopotâmia. É impossível que Bagdade mantenha relações políticas com um jihadista salafista que figura na lista dos mais procurados do Iraque.
Uma dor de cabeça adicional são as condições da UE para normalizar a situação na Síria, tal como explicadas pela louca estónia não eleita responsável pela sua política externa (e que representa quase 500 milhões de cidadãos europeus): Bruxelas só levantará as sanções se não houver bases russas ou “influência russa” no Califado al-Sham.
Entretanto, o Império do Caos continuará a pilhar, em colaboração com Israel. O petróleo sírio roubado pelos americanos é vendido pelos curdos a Israel em Erbil com um enorme desconto. Afinal de contas, este petróleo é “grátis”, ou seja, roubado. Pelo menos 40% do petróleo de Israel provém do negócio de Erbil.
E a situação piora.
Israel anexou a barragem de Al-Wahda, situada na bacia do rio Yarmouk, perto da cidade de Al-Qusayr, na província de Dara'a, e junto à fronteira com a Jordânia. Esta barragem fornece pelo menos 30% da água da Síria e 40% da água da Jordânia.
É tudo tão previsível: o que a coligação NATO/Israel quer realmente é uma Síria amputada, desagregada e vulnerável.
No entanto, a equação tóxica está longe de estar terminada. O aspirante a califa Jolani pode sentir-se tentado a permitir que a Rússia mantenha intactas as suas bases e transporte os seus sistemas de armamento para fora do país. Kholani está em contato com Moscou e o HTS está de fato a proteger os bens russos.
Paralelamente, o Hezbollah indicou que está disposto a “cooperar” com o HTS, que, por acaso, também está a proteger a embaixada iraniana em Damasco.
Não há provas de que a invasão da Grande Idlibistão tenha sido um cavalo de Troia acordado à mesa das negociações pelo – morto – “processo de Astaná”, mesmo antes da fatídica reunião de Doha, no sábado, 7 de dezembro.
O que é certo é que a análise de Moscou e Pequim privilegia o panorama geral. Para já, os chineses estão extremamente cautelosos em relação ao drama sírio no seu conjunto, declarando-se “prontos a desempenhar um papel construtivo”.
Pequim e Moscou veem a Síria como um revés temporário para os BRICS, infligido por um império na linha do desespero, juntamente com o seu aliado igualmente desesperado Eretz Israel e um sultão que morde mais do que pode mastigar.
A dupla Biden, que já não está no poder, não se apercebeu da emergência de um possível vetor hegemónico israelo-turco num nó-chave da Ásia Ocidental. A única coisa que interessa aos neoconservadores straussianos e aos seus comparsas psico-apocalípticos do regime de Netanyahu, no que diz respeito à desintegração da Síria, é a janela de oportunidade para Israel atacar o Irã.
O Times of Israel é entusiástico: enquanto antes “a força aérea israelense não sobrevoava diretamente Damasco para atacar alvos ligados ao Irã na capital, agora pode fazê-lo”.
A chave para desvendar todo este mistério pode estar, mais uma vez, nas mãos de Jolani. Na Ásia Ocidental, tudo está a mudar. Poucos dias após a queda de Damasco, o sultão Erdogan e a NATO recusaram ajudar Jolani perante a ofensiva israelense na Síria.
E a quem é que Jolani poderá recorrer como potencial aliado? E com quem poderá contar para impor alguma ordem numa Síria totalmente desorganizada, incluindo o poder aéreo, para combater as bolsas do ISIS no deserto?
Teerã e Moscou entram em cena, pelo que os canais secretos estão em pleno funcionamento. Não pestanejarão quando se tratar de “cooperar” com o Califado nascente, desde que os seus interesses nacionais não sejam ameaçados.
O Império do Caos continuará a não ter rival em termos de controlo narrativo, de manobras de relações públicas, de monopólio das redes sociais e de guerra psicológica incessante. Tudo frentes híbridas. Mas isso é tudo.
O Império foi miseravelmente derrotado no Afeganistão e no Iraque, e continua a ser humilhado pelo Iémen no Mar Vermelho. Washington tem menos de zero de vantagem sobre a Rússia na esfera militar, exceto na guerra eletrónica, pelo menos no teatro de operações da Ásia Ocidental. Em parte, também nos serviços secretos, na vigilância e na segurança, o que se traduz imediatamente em infligir mais e mais terror. Mas atenção, a Rússia está a recuperar o atraso.
Quanto ao Irã, está longe de ser mais fraco do que era antes da queda de Damasco. Isso não passa de uma tentativa de impor uma narrativa imperial, inerente ao mecanismo auto-congratulatório do excepcionalismo. O Ayatollah Khamenei, um excelente estratega, não poupa as suas palavras. Teerã acabará por desenvolver uma cadeia de abastecimento alternativa ao Hezbollah e à Cisjordânia.
Além disso, o rasto do dinheiro deve ser seguido. O Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano já indicou que “o novo governo sírio assumirá todas as obrigações financeiras da Síria para com o Irã”. Trata-se de muito dinheiro – e Jolani não o tem.
Michael Hudson é categórico: “O plano dos EUA é a anarquia”. Como estamos na Ásia Ocidental, onde a traição é uma arte, haverá reacções. Teerã e Moscou não têm ilusões e estão a preparar-se para isso. A guerra contra os BRICS está apenas a começar.
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