sexta-feira, 17 de maio de 2024

A homenagem de Angola aos Revolucionários do Laboratório de Engenharia de Angola

Pela primeira vez no planeta um Chefe de Estado visitou o Laboratório de Engenharia de Angola (LEA) de portas abertas desde 1961, ano do início da Luta Armada de Libertação Nacional. Este momento vai ficar gravado a letras de ouro na História Universal e foi protagonizado por João Lourenço, filho de enfermeiro e Presidente da República.
A notícia é imprecisa, destoa da verdade, é quase autêntica. Logo após a Independência Nacional, Aristófanes Couto Cabral e Hermínio Escórcio levaram o Presidente Agostinho Neto à instituição. Porque foi um viveiro de nacionalistas revolucionários. Não houve câmaras de televisão. Foi mais uma romagem de saudade.

Após a sangrenta repressão que se abateu sobre os revolucionários do 4 de Fevereiro, surgiram em Luanda células clandestinas do MPLA que fizeram um trabalho notabilíssimo. E muito arriscado. Os líderes da célula mais importante eram Hermínio Escórcio e Aristófanes Couto Cabral, ambos funcionários do Laboratório de Engenharia de Angola (LEA). Todos os militantes foram presos pela PIDE e o julgamento ficou conhecido como o “Processo do LEA” ainda que nem todos tivessem ligação à instituição.

O líder do grupo, Hermínio Escórcio, quando foi preso tinha 27 anos e era funcionário do Laboratório de Engenharia de Angola (LEA). Aristófanes Couto Cabral tinha 28 anos e era segundo oficial do LEA. José Carlos Vieira Lopes Júnior “Carlitos”, 29 anos, funcionário do LEA. Roberto de Almeida, 23 anos, técnico do LEA. Jorge António Mateus, 45 anos, funcionário do LEA. Manuel João Afonso Neto, funcionário do LEA, 29 anos.

Este grupo de revolucionários justificou o título “Processo do LEA”. Foram todos julgados no Tribunal Militar de Luanda, constituído pelos coronéis Mário Cruz (presidente) e Carlos Serpa. O juiz civil foi Francisco Brito. Acusador público, tenente-coronel Carlos Gonçalves.

Outros militantes do MPLA participaram nessa célula clandestina: Lopo do Nascimento, funcionário público, 23 anos. João Henrique Garcia “Cabelo Branco” electricista, 21 anos. Domingos dos Santos Silva “Dinho”, comerciante, 36 anos. Rui Frederico Gonçalves “Tancredo”, torneiro mecânico, 25 anos. Mário Simões Torres, funcionário da Casa Americana (comércio de automóveis), 27 anos. Sebastião Bernardo Pascoal sargento miliciano, 25 anos. Luís Ferreira Rita, motorista,34 anos. Joaquim Henriques Ferreira “Xoxudo”, torneiro mecânico dos Serviços Municipalizados de Transportes Colectivos, 33 anos. Aires de Almeida Santos, poeta, 42 anos. Eduardo Pires Júnior, desenhador, 30 anos. Pedro Mendes Duarte “Bula”, maquinista do Serviço de Água e Electricidade, 44 anos. Teresa Gama, técnica do Instituto de Investigação Científica de Angola, 28 anos.

Os militantes do MPLA foram acusados de “conspiração contra a segurança do estado”. Hermínio Escórcio e Aristófanes Couto Cabral tiveram as penas mais pesadas. Ambos foram acusados de “contactos permanentes” com o comité director do MPLA no exílio. O elo de ligação era o jornalista Aníbal de Melo, parente de Escórcio.

Em 1962, os militantes do MPLA na clandestinidade aprovaram um plano de acção ousado. Produziram e distribuíram panfletos durante a visita de jornalistas dos EUA a Luanda. A versão em inglês foi produzida por Carlos Simeão (Manolo) que depois de 1992 fundou, com Anália Vitória Pereira, o Partido Liberal Democrático (PLD). Os panfletos foram impressos na sede da ANANGOLA. A acusação referia que o texto era “contra a soberania nacional”.

Em 1963, o grupo distribuiu em Luanda e no Lobito boletins informativos do MPLA. Escócio e Couto Cabral tinham como interlocutores no comité director novas figuras: Manuel José Gonçalves e Orestes António Diniz da Gama Pereira da Silva.

O grupo revolucionário do MPLA montou uma operação para executar o presidente Américo Tomás na sua viagem oficial a Angola. Os militantes arranjaram granadas de mão que iriam fazer explodir junto do presidente colonialista durante a sua visita à Liga Africana.

Aristófanes Couto Cabral iniciou a criação de bases militares para formação de guerrilheiros do MPLA. As duas primeiras iam ser instaladas no Luinga e em Camabatela, vila onde o pai do revolucionário era comerciante. Também foi preparado um assalto ao Banco de Angola para “recuperação de fundos”. Esta operação era completada com a produção de dinheiro falso. Também foi elaborado um plano de assalto a vários quartéis de Luanda para desvio de material de guerra e munições. Outra operação importante era a sabotagem das pontes nas estradas do Norte de Angola que davam acesso aos aquartelamentos das tropas portuguesas.

José Carlos Vieira Lopes e Hermínio Escórcio criaram uma célula clandestina com Sebastião Bastos Lavrador e João Afonso Neto. Mário Torres, em 1963, integrou uma célula com Aires de Almeida Santos e Teresa Gama. Depois entrou Rui Frederico Gonçalves e Joaquim Monteiro. Inundaram os bairros da Vila Clotilde e Vila Alice de panfletos do MPLA. Mário Torres também arranjou uma distribuição no Sambizanga e junto dos trabalhadores dos Serviços Municipalizados de Água e Electricidade. Roberto de Almeida e Hermínio Escórcio elaboraram uma lista completa dos presos políticos do MPLA, para apoio às suas famílias.

Eduardo da Conceição Pires Júnior treinou Moisés Menezes e José Nogueira na produção e manipulação de engenhos explosivos. Fizeram uma bomba potente, que ia explodir no Largo Serpa Pinto durante a madrugada.

Os revolucionários foram todos presos antes de executarem grande parte do plano de operações. Para que conste, deixou aqui os nomes dos advogados que defenderam os militantes do MPLA no “Processo do LEA”: Maria do Carmo Medina, Eugénio Ferreira, Gabriel Salta, Custódio de Noronha e Franco Afonso.

O Presidente João Lourenço visitou ontem, oficialmente, o Laboratório de Engenharia de Angola (LEA). Não disse nada, nem sequer que é filho de enfermeiro. Perdeu uma oportunidade de ouro para homenagear militantes do MPLA que enfrentaram a máquina repressiva dos colonialistas. Fizeram do seu local de trabalho um ninho de revolucionários. Ainda estão vivos e activos, alguns militantes do “Processo LEA”, como Roberto de Almeida, na época técnico do laboratório. Ou Lopo do Nascimento, hoje empossado como administrador da SONANGOL. Levava-os com ele e homenageava os Heróis Nacionais. Entre os quais Teresa Gama, abnegada militante do MPLA. O líder do MPLA ignora a História do MPLA!


Artur Queiroz, jornalista

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