sábado, 23 de setembro de 2023

MÚCIO, A DEMOCRACIA E A ESPADA DE DÂMOCLES

 

O indigesto Ministro da Defesa, José Mucio, homem afeito ao esgoto da política mais rasteira desse país, nestes últimos dias, pronunciou uma perola que não foi bem digerida por ninguém decente. Ou seja, ninguém que se encontra num campo, ainda que somente pouco distante do Bolsonarismo, deixou de sentir náusea com maior ou menor intensidade.

Por: Douglas N. Puodzius

Mesmo levando em conta o mau caratismo no modo de pensar ordinário do funesto ministro, durante uma entrevista coletiva sobre denuncias de Mauro Cid, a declaração do velho "simpático" surpreendeu a todos. E quando digo todos, digo; desde aqueles que bem o conhecem e sentem repulsa pelo que ele representa e mesmo entre os que o conhecem e o admiram justamente por representá-los tão a contento. Nesse último grupo, encontra-se o povo da Globonews. Até a bovina Miriam Leitão considerou a fala do ministro despropositada.

Disse ele que; a nação brasileira deve sua democracia aos militares, pois, quando consultados pelo amigo dele, Bolsonaro, esses milicos heróis, recusaram-se a dar o golpe militar.

Em meio de uma reflexão sobre esse imbróglio Muciolino, encontrei-me debatendo intimamente com base na fabulosa história e nas implicações da espada de Dâmocles, no que se refere ao caso em tela. Achei muito interessante o nexo das compreensões e, por isso, resolvi descrever as cenas da suposta aventura, nesse texto. Essa passagem ajuda a dar melhor dimensão sobre o quanto foi infame a declaração do Ministro da defesa, além de lembrar, porque devemos odiar e ter nojo da ditadura, como bem lembrava Ulisses Guimarães.

Então, acompanhe o raciocínio e colabore para desprezar qualquer um que, ao exemplo de José Mucio, relativize nossas conquistas democráticas, desejando retirar das legitimas mãos do povo, a existência do estado de direito e da liberdade nesse país. Obras que, embora frágeis, tem suas bases construídas e mantidas através de muitas batalhas e à custa do sangue de muitos heróis.

Pois então, vamos a parábola...

Conta-se que Dâmocles, conselheiro da corte de Dionísio. Aliás, Dionísio nesse caso, não se tratava daquele famoso Deus mitológico do Vinho e das festas, mas, de um Velho tirano de Siracusa, vivente no século IV AC... 

Posto isto, voltemos ao velho e bom: Conta-se...

Conta-se que Dâmocles, tomava certas liberdades com o imperador e vivia a declarar sua inveja pela boa vida que o soberano levava.

Todos os dias; à medida que o cotidiano se desenrolava, o funcionário reservava comentários invejosos a respeito das belas roupas ou da farta e apetitosa comida, dos encantos das damas de companhia ou do refinado gosto das bebidas.

No mesmo diapasão, logo após as estocadas sobre a bem-aventurança da vida real, punha-se a lamentar a má sorte de sua condição menos afortunada, confessando que, se tivesse a chance de também viver aquela vida abastada, aproveitaria bem mais do que seu senhor.

E assim, cansado da ladainha provocativa de seu súdito, Dionísio resolveu conceder-lhe o desejo e permitiu que Dâmocles se sentasse ao trono para viver como um rei, como tanto sonhara.

O homem logo estava cercado de belas damas a massagear seu corpo e servir-lhe grandes taças de bom vinho. E enquanto, aproveitava a boa vida, gabava-se com Rei demonstrando o quanto era feliz e o quanto sua felicidade era grande. Comemorava a todo momento, que seu contentamento era bem maior do que em tamanho de alacridade seria possível constatar em qualquer um dos dias da existência real de Dionísio. Lembrava que o Rei jamais demonstrara ter sido tão feliz como ele era ali, com tanta comida, bebida e serviçais. E questionava como podia Dionísio ser aquele sujeito sem alegria, mesmo tendo tudo daquela forma, tão bem estruturado só para o deleite dele?

E o soberano prometeu sanar as dúvidas de Dâmocles durante o jantar devidamente preparado em homenagem a ele, o novo Rei de Siracusa.

À noite, tendo se fartado com a deliciosa comida, a boa bebida e com o ambiente de festas e carinhos de suas mulheres, Dâmocles cobrou a explicação que Dionísio prometera lhe dar sobre os motivos que o impediam de ser feliz, mesmo vivendo naquele nababo.

Ainda antes de o Rei começar suas explicações, Dâmocles se espreguiçou largamente. Foi quando percebeu que por todo o tempo do jantar pairou sobre sua cabeça, uma espada. Ela estava perigosamente pendurada desde o teto, apontada em sua direção, presa por apenas o fio da crina de um cavalo.

O novo rei estremeceu. Ele deu um pulo para trás, posicionando-se distante de onde certamente atingiria a espada se o fino fio rompesse, conforme parecia destinado a acontecer em qualquer momento.

- Viste essa espada, meu senhor? Perguntou o assustado Dâmocles a Dionísio.

- Por óbvio que a vi... Respondeu Dionísio, divertindo-se com o pânico do funcionário. Depois completou o comentário mais seriamente.

- Aliás, eu a vejo por todo o tempo. Ela representa todos os meus inimigos e invejosos que há qualquer instante podem me golpear. Eles são senhores de outros reinos, súditos traidores, um daqueles soldados, uma dessas moças, o cozinheiro que preparou estes pratos ou a senhora que serviu este vinho.  Esta é a espada que paira mortal e silenciosa sobre a minha cabeça durante todas as horas e todos os dias de minha existência. Agora, responda-me você: Como posso ser feliz?

Dâmocles simplesmente apanhou suas coisas e saiu correndo desesperado. Deixou o palácio repetindo a resposta que dera ao soberano:

- Não sei como podes ser feliz, só sei que que não desejo mais ser rei!

 

Como pode um povo ser feliz; se suas forças armadas há todo tempo tramam contra ele?

Não há o que agradecer a quem pendurou a espada sobre nossas cabeças, apenas porque ainda não cortou o fio, que a mantém nos ameaçando de morte.

Sabemos bem que se ainda não foi cortado o cordão e se, por isso, a espada continua aí, pairando perigosamente sobre a cabeça de toda nação brasileira, não foi por patriotismo e nem em defesa da democracia, muito pelo contrário, foi por não haver consenso sobre a conveniência do golpe, que todos aqueles heróis de Mucio, têm certeza; ainda consumarão.

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