11 DE SETEMBRO NO CHILE HÁ CINQUENTA ANOS
Por: Benedito Carlos dos Santos - Prof. de Historia
Sim, era assustador. Todos os dias o Jornal Nacional mostrava imagens do Chile, onde a direita e a esquerda se confrontavam com violência nas ruas, obviamente omitindo o fato de que o Chile possuía um governo socialista democraticamente eleito e fascistas, incrustados em vários setores da sociedade, faziam o possível para desestabilizá-lo.
Em 1973 vivíamos no Brasil os chamados "anos de chumbo", o auge do terrorismo de estado, de resto sempre presente na nossa sociedade, mas exacerbado pela ditadura, notadamente no governo do general-presidente Médice, enquanto a classe média se esbaldava com as sobras do "milagre econômico".
Privada do direito de falar de assuntos políticos internos, a não ser para puxar o saco do governo castrense, o que a Globo fazia com gosto, a rede sediada no Jardim Botânico do Rio, assim como os grandes jornais, cobriam de perto a crise chilena, o que dava a milhões de brasileiros desavisados a sensação de que o mundo era um caos, enquanto o Brasil, no dizer do general presidente, era uma ilha de tranquilidade.
Então víamos assustados a escalada de crise e violência que culminaria com o golpe de estado patrocinado pelos E.UA., através da CIA, mas com apoio luxuoso de militares traíras - o General Pinochet, futuro ditador, fazia parte do gabinete militar da presidência e era tido como legalista -, além de grupos fascistas como o hoje esquecido Patria y Libertad.
Embora com seus percalços, comuns na América Latina, o regime chileno era visto por muitos como um modelo de estabilidade no subcontinente. Possuía a mesma constituição desde 1925, os partidos de esquerda eram legais desde os anos 1940, participavam de eleições e possuíam ampla adesão na sociedade. O país possuía ainda padrões sociais dentre os melhores do continente e eleições eram realizadas regularmente sem golpes de estado ou "pronunciaminetos" das Forças Armadas, ao contrário do que ocorria na maioria da América do Sul.
Os pecados cometidos pelo governo de Salvador Allende, eleito por uma frente de partidos de esquerda - A Frente Popular -, foram o de tentar cumprir o que prometera durante a campanha: nacionalização da economia, reforma agrária, aumento real do salário mínimo, fim do analfabetismo, estatização das minas de cobre, tudo isso dentro da legalidade constitucional. Sim, Allende era um legalista, assim como o Partido Comunista que o apoiava. Liderava a facção moderada do seu partido, o Partido Socialista, que possuía uma ala esquerda revolucionária e insurrecional. Quando foi derrubado com violência pelos militares golpistas preparava um plebiscito para ratificar legalmente suas medidas em favor do povo e do país, que eram ameaçadas por um congresso dominado pelo partido oposicionista, a Democracia Cristã.
Em setembro de 1973 veio o golpe. E a ditadura de Augusto Pinochet. Milhares de pessoas foram encarceradas, duzentos mil chilenos fugiram do país, artistas como o célebre cantor e agitador cultural Victor Jara, foram mortos com requintes de crueldade, as universidades foram expurgadas e as reformas de Allende foram revertidas. Três mil chilenos perderam a vida.
Uma feroz política neoliberal foi adotada, sendo o Chile o principal laboratório das experiências da Escola de Chicago. Os "Chicagos-boys", adeptos do liberalismo mais feroz, foram empoderados num país que acabou com o ensino público superior, destruiu as aposentadorias dos trabalhadores, confiando-as à picaretagem do sistema financeiro e se locupletaram sob a batuta dos militares fascistas e sob as bençãos de Washington.
Mesmo entre aqueles que da boca para fora condenam a ditadura, há muito entusiasmo com a política econômica chilena dos anos ditatoriais entre os nossos falsos liberais. Paulo "Posto Ipiranga" Guedes, expressão econômica do reacionarismo bozoafetivo, era um desses entusiastas mal disfarçados.
Apesar de alguns bons números, as estatísticas frias também mostram números pouco milagrosos: durante o regime de Pinochet, entre 1972 e 1987, o Produto Interno Bruto per capto do Chile caiu 6,4% em dólares constantes, caindo de US$ 3 600 em 1973 para 3 170 em 1993 (dólares constantes). Apenas cinco países da América Latina tiveram, em termos de PNB per capita, um desempenho pior que o do país andino durante a ditadura Pinochet (1974-1989). Ou seja, não há nada para se entusiasmar.
Em tempo: a ditadura castrense brasileira da época forneceu apoio diplomático, logística "anti-insurreição" - eufemismo para o fornecimento do aparato de tortura já usado por essas bandas - e suspeita-se da união dessas e de outras ditaduras sul-americanas com o objetivo de espionar e eliminar opositores espalhados pelo mundo, a ainda pouco estudada Operação Condor, que em 1976 assassinou em Washington o diplomata, ex chanceler do governo de Allende, Orlando Letelier, numa operação da temível polícia política da ditadura chilena, a DINA, com apoio dos cubanos fascistas de Miami.
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