Quando um funcionário da aduana decide, muito provavelmente de forma aleatória — como deve ser — parar a mala de um ajudante de ministro de Minas e Energia do desgoverno anterior, ele o faz amparado por uma das maiores conquistas do funcionalismo público: a estabilidade. Não é impunidade, como tantas vezes se tenta vender. Já os itens encontrados dentro da mala do tal ajudante não apenas eram suspeitos, como continuam sendo, visto que o episódio ainda não foi devidamente esclarecido.
A razão de trazer este tema para a crônica não é apenas por tê-lo comentado no chat do portal do José, mas porque fui abordado por um passageiro em uma linha urbana de São Paulo, horas antes. Um senhor, pouco mais novo que eu, estava indignado com o ministro Gilmar Mendes, por ele ter “brindado” o Supremo com a decisão de limitar à PGR a prerrogativa de processar ministros.
Precisei, primeiro, estimular outras indignações, para depois lembrar que, desde a Constituição, apenas o Ministério Público pode processar alguém. E, no caso de ministros do STF, há prerrogativa de função: só a PGR pode processá-los.
A conversa, como era de se esperar, saiu da seara jurídica — onde tenho pouca intimidade — e avançou para questões políticas: desemprego, aumento dos rendimentos salariais, a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000,00. Entre os destaques positivos, surgiram também os dissabores.
Entre eles, a composição do Congresso, fruto dos votos de uma população que sofre a nefasta influência de lideranças religiosas. Estas, ao cobrarem dízimo, deveriam ser processadas por estelionato — e quem paga, condenado por ingenuidade. Minha indignação com esse ponto é simples: não há no Novo Testamento qualquer versículo que legitime tal cobrança. O único registro está em Isaías, no Velho Testamento, justamente aquilo que, segundo a Bíblia, Cristo teria vindo superar.
Essa prática é responsável por uma das mais completas formas de cegueira ideológica, pois naturaliza a exploração. E, entre essas naturalizações, estão também os profissionais da mídia — ou “mérdia”, como muitos dizem — que, assim como as lideranças religiosas, cumprem papel danoso na formação da percepção social.
É preciso, claro, zelar pela independência dos juízes, para que julguem com isenção. Mas julgar com isenção exige que expliquem posicionamentos incompatíveis com a função pública. Entre eles, não se pode admitir que um juiz proíba um apenado de comparecer ao velório de um irmão, sobretudo depois de ter validado uma decisão inconstitucional: a prisão em segunda instância. Foi essa decisão que, lá na ponta, abriu caminho para a eleição do inominável — o mesmo desgoverno cujo ajudante teve a mala revistada na inspeção aduaneira.
Eis aqui algumas distâncias entre estabilidade — que não é impunidade — e ações suspeitas, para dizer o mínimo.

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