Demonizar o líder é uma estratégia para demonizar o projeto político que ele representa. A palavra "ditador" é o véu semiótico que oculta a luta por recursos e soberania. Essa opacidade intencional faz parte da estratégia de comunicação do imperialismo. O capitalismo precisa manipular o significado para manipular a história.
Por: Fernando Buen Abad
Por trás da acusação de “ditador” dirigida ao presidente Nicolás Maduro, encontra-se uma amálgama distorcida dos símbolos mais carregados de ideologia da guerra suja midiática contemporânea. Da perspectiva do Laboratório de Semiótica Crítica, com sua base humanista, tal alegação não pode ser entendida como uma mera classificação política ou descrição institucional; trata-se de um artefato semiótico concebido para funcionar como um instrumento de criminalização, deslegitimação e disciplina simbólica a serviço de interesses geopolíticos específicos.
O adjetivo não surge da observação científica ou da verificação empírica; surge de uma engenharia linguística concebida para produzir efeitos cognitivos imediatos no público em massa. Sua função central é estabelecer um quadro interpretativo hegemônico no qual o governo venezuelano aparece como um poder ilegítimo, antidemocrático, repressivo e moralmente condenável, independentemente de qualquer análise contextual, histórica ou jurídica. Nesse sentido, “ditador” é um símbolo de combate, uma arma nas guerras burguesas de significado.
Nossa semiótica crítica identifica nessa operação uma estratégia típica do imperialismo midiático: a redução de fenômenos políticos complexos a essências ideológicas absolutas (falsa consciência). O termo “ditador”, nesse sentido, funciona como uma “metáfora ontológica de demonização”, um procedimento discursivo que transforma adversários políticos em entidades essencialmente malignas, desprovidas de direitos e suscetíveis à intervenção. A rotulação não busca descrever a realidade política venezuelana; busca criar uma realidade simbólica na consciência de milhões. Denominamos esse mecanismo de “estigmatização ideológica”, um ato performativo por meio do qual o poder de nomeação — neste caso, atores midiáticos, diplomáticos e governamentais alinhados aos interesses dos Estados Unidos — estabelece um quadro semântico obrigatório que visa sufocar a interpretação e o pensamento crítico.
O uso que ele faz do adjetivo “ditador” funciona como um nó semiótico que condensa décadas de engenharia ideológica ocidental. Seu conteúdo semântico se baseia em um reservatório histórico de imagens, narrativas e afetos produzidos por Hollywood, pela imprensa corporativa e pela retórica geopolítica americana: líderes em uniformes escuros, repressão em massa, censura total, violência sádica e a completa abolição dos direitos civis. Essa iconografia, alimentada por ficções e simplificações históricas, é ativada automaticamente ao se ouvir a palavra. Seu poder reside na rapidez com que mobiliza uma constelação de significados negativos sem a necessidade de argumentação racional. Em termos semióticos, é um signo “hipersaturado”, capaz de operar como um dispositivo automático de rejeição. Aí reside sua eficácia falsificadora, pois opera como um signo que pensa pelo receptor, inibindo a reflexão.
Na perspectiva do Laboratório de Semiótica Crítica, a análise do epíteto exige a decomposição de suas operações em níveis sintático, semântico, pragmático e político-material. No nível sintático, a estrutura “Maduro é um ditador” assume a forma de uma identidade ontológica: o predicado não descreve um comportamento específico, mas sim uma essência. Essa operação linguística elimina qualquer relação causal ou contextual. Não se argumenta que um conjunto de ações possa ser considerado “autoritário”; decreta-se que o sujeito é, por natureza, uma figura ilegítima. Essa essencialização é característica da retórica de guerra. Em vez de discutir medidas políticas, processos eleitorais, estruturas institucionais ou dinâmicas de poder, o signo encerra o debate: quem é um “ditador” não pode ser um interlocutor. O rótulo desumaniza, deslegaliza e descontextualiza a historicidade.
No nível semântico, “ditador” faz parte do que se define como “cadeias de equivalência ideológica”. Na grande imprensa, o termo aparece sistematicamente combinado com “regime”, “autoritarismo”, “repressão”, “crise humanitária”, “violações dos direitos humanos”, “narcoestado” e “fraude eleitoral”. Essas combinações repetidas geram um efeito de naturalização, e o signo se integra a um ecossistema discursivo onde a equivalência entre Venezuela e ditadura é apresentada como um fato óbvio. Essas cadeias semióticas funcionam como uma forma de programação de significado, visando impedir que a realidade contamine a narrativa. Seguindo essa lógica, até mesmo processos eleitorais auditados, observações internacionais, participação cidadã e instituições constitucionais venezuelanas são sistematicamente excluídos ou reinterpretados para não interferirem na narrativa dominante.
Em um nível conotativo, esse adjetivo ativa emoções intensas: medo, repulsa, indignação moral. A moralização burguesa do discurso é uma das chaves para sua eficácia. O inimigo político é apresentado como um inimigo ético. Não é um adversário com quem se contesta um projeto histórico, mas um vilão cuja mera existência ameaça a civilização. Essa carga emocional é fundamental para a construção de consenso em torno de políticas de agressão: sanções econômicas, isolamento diplomático, intervenção humanitária ou mesmo invasão militar. A conotação moral absolutista serve para justificar a violência contra o país visado. É a lógica colonial: o outro é demonizado para torná-lo suscetível à intervenção.
Em termos pragmáticos, o termo funciona como uma ordem implícita. Nomear é prescrever. A função do termo é produzir comportamentos sociais e políticos. Quando um líder é chamado de “ditador”, a consequência esperada é o rompimento das relações diplomáticas, a rejeição das autoridades, a ativação de sanções, a justificativa do apoio a atores da oposição não eleitos, o reconhecimento de figuras paralelas e a construção de um apagão midiático. Em outras palavras, o epíteto não apenas falsifica, mas também possibilita ações concretas. É um “sinal de guerra suave”, cujo objetivo é transformar uma agressão real em uma obrigação moral.
Uma parte central da análise semiótica exige o estudo do seu caráter performativo no cenário internacional. O termo “ditador” tem sido usado pelos Estados Unidos como um passo preliminar para intervenções militares ou sanções em inúmeros contextos: Iraque, Líbia, Síria, Panamá, Granada, entre outros. A estratégia consiste em construir um estereótipo global que permita ocultar os interesses materiais da ação geopolítica sob a retórica humanitária. O padrão é recorrente: primeiro, estabelece-se um epíteto demonizador; em seguida, a cobertura midiática é reorganizada de acordo com essa estrutura; depois, introduz-se o discurso da “ajuda”; e, finalmente, são realizadas ações de força. A palavra, portanto, faz parte do arsenal.
No caso venezuelano, o uso do epíteto intensificou-se em momentos estratégicos: processos eleitorais, tentativas de golpe, fases do bloqueio econômico e esforços de desestabilização interna. Isso demonstra que o termo não responde a uma análise institucional objetiva, mas sim à necessidade de produzir um clima simbólico propício à agressão. Nesse sentido, o Laboratório de Semiótica Crítica identifica um padrão de sincronização entre a retórica midiática, a diplomacia coercitiva e as operações psicológicas. A palavra “ditador” não aparece como um diagnóstico, mas como um mandato.
Uma análise semiótico-crítica do signo também exige a observação de sua função dentro da economia política do capitalismo global. O epíteto serve para obscurecer o fato de que o verdadeiro conflito não é institucional, mas econômico: petróleo, gás, ouro, minerais estratégicos, posição geopolítica e modelos alternativos de integração regional. Demonizar o líder é uma estratégia para demonizar o projeto político que ele personifica. A palavra "ditador" é o véu semiótico que oculta a disputa por recursos e soberania. Essa opacidade intencional faz parte da estratégia de comunicação do imperialismo. O capitalismo precisa manipular o significado para manipular a história.
A dimensão psicológica da recepção também deve ser incluída na análise semiótico-crítica. O epíteto funciona por meio de um mecanismo de associação automática que inibe a capacidade crítica do receptor. Quando a palavra é repetida em manchetes, em reportagens, discursos e nas redes sociais, o público acaba agindo por reflexo condicionado: aceitando a acusação sem questionar seus fundamentos. A repetição produz guerra cognitiva. Aqui, opera o que o Laboratório chama de "naturalização semiótica" — um processo pelo qual um termo se torna senso comum, mesmo sem evidências. A crítica exige o desmantelamento dessa automatização.
Por fim, a semiótica crítica compreende que a análise rigorosa deve culminar na construção de uma contrasemiótica emancipadora. Ou seja, não basta desmantelar a calúnia; é necessário produzir categorias, linguagens e quadros interpretativos que restaurem a complexidade, a historicidade e a legitimidade dos processos políticos latino-americanos. A luta pela linguagem é uma luta pela realidade. Nesse sentido, o Laboratório de Semiótica Crítica estabelece que termos como "ditador", quando usados como instrumentos de guerra midiática, devem ser desativados por meio da pesquisa científica, da alfabetização comunicacional e da produção de novos repertórios simbólicos capazes de desmantelar a engenharia imperial. A verdade deve ser defendida contra a violência semiótica burguesa. A análise científica é uma forma de revolução da consciência.
Autor: Fernando Buen Abad

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