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The Horizon Nears on America’s Free Financial Ride |
RICHARD WOLFF: É um prazer estar aqui.
NIMA ALKHORSHID: Comecemos, Michael, pelo seu recente artigo sobre o preço do ouro e a forma como os Estados Unidos estão a tentar geri-lo. Qual é o seu ponto de vista nesse artigo? Qual é o seu objetivo?
MICHAEL HUDSON: Bem, a questão é que a procura de ouro tem estado muito acima da oferta nos últimos 15 anos e no entanto os preços mantiveram-se notavelmente calmos. O ouro variava entre os 1 400 e os 1 600 dólares por onça [troy], talvez há 10 anos, e depois havia outro intervalo entre os 1 800 e os 2 000 dólares por onça até há um ou dois anos e de repente, finalmente, os preços começaram a subir. Há notas nos jornais sobre negociantes de ouro ingleses que enviam enormes cargas de ouro para os Estados Unidos. Assim, não é preciso dizer, como se explica o que está a acontecer? Por isso, apenas meia hora antes do início deste programa, recebi um telefonema de uma das grandes cadeias de televisão por cabo a pedir-me para ir ao programa deles e explicar porque é que o ouro atingiu hoje um novo preço. Preferi conversar convosco, ao invés de falar para eles. De modo que a situação é a seguinte.
Os Estados Unidos querem manter o dólar como a principal reserva internacional. A única coisa que assustou os decisores políticos americanos foi o facto de outros países começarem a desdolarizar-se, aumentando a proporção de ouro nas suas reservas cambiais. A China, nas alturas. A Rússia, também nas alturas.
Há cerca de seis anos, a Alemanha disse: “Sabem aquele ouro que vos transferimos na década de 1950 para manter na segurança da Reserva Federal? Podem enviar-nos esse ouro físico de volta? Estamos a reparar que vocês estão a apoderar-se das reservas de ouro de países de que não gostam, como a Venezuela. Gostaríamos de ter o ouro aqui”. E os Estados Unidos disseram: “Bem, sabe, realmente não o podemos enviar agora. Que tal daqui a seis anos?” Que é exatamente agora. [Mas] eles ainda não enviaram o ouro.
E a pergunta é: ainda haverá algum ouro em Fort Knox? E por que não? Como foi possível que o preço do ouro tivesse sido mantido baixo pelo Tesouro dos EUA através da manipulação do preço?
E acontece que todos nós podemos agora ver que o preço do ouro não é como o do cobre ou do trigo. Não se baseia na oferta e na procura. Tudo se baseia no facto de o Tesouro manipular o preço do ouro. E fá-lo de duas formas. Uma é uma forma muito técnica que não vou abordar. Vende ouro a descoberto (short.) Por outras palavras, vende [o que não tem]. Bem, o preço pode ser de 2 900 dólares agora, mas vendemo-lo daqui a três meses por 2 800 dólares a onça. Bem, isso significa que ninguém vai comprar mais ouro agora se souber que pode comprá-lo a 2 800 dólares por onça daqui a três meses. Portanto, eles continuam a manter o preço baixo.
E, por outro lado, nos últimos 15 ou 20 anos, o Tesouro dos Estados Unidos, o Banco de Inglaterra e outros bancos centrais ganharam dinheiro alugando (leasing) o seu ouro a negociantes de barras de ouro. Por outras palavras, é como se a Avis alugasse um carro a alguém para o conduzir. E os EUA alugam-no a negociantes de ouro por um determinado preço. Sim, alugamos-vos este ouro. Aqui está o preço atual do ouro. Pagar-nos-á um prémio pelo aluguer deste ouro. E então os negociantes de metais preciosos satisfazem a oferta de ouro dos entesouradores, quer sejam fabricantes de jóias, quer sejam investidores, quer sejam fundos de cobertura.
E isto tem funcionado praticamente desde que os Estados Unidos abandonaram o ouro em 1971. Mas o que aconteceu é que o facto de se ganhar dinheiro com o aluguer do ouro a outros países de repente significa que já não há ouro aqui. Os Estados Unidos têm o direito de reclamar junto aos negociantes de metais preciosos dizendo-lhes: “Bem, devolvam-nos o ouro que vos alugámos. É como se a Avis dissesse: “Alugaram o nosso carro durante duas semanas. Agora, devolvam-nos o carro.
Mas os negociantes de ouro haviam vendido a maior parte do ouro. E assim, eles vão dizer, bem, vamos dar-vos o dinheiro equivalente ao ouro, mas não temos ouro. Assim, parece subitamente que os Estados Unidos são, não direi um tigre de papel, como o chamam, mas sim um tigre de lamé de ouro? Parece que os Estados Unidos não têm na sua posse o ouro que é relatado.
Por isso, há alguns dias, Musk disse: “Estamos a tentar descobrir como fazer uma auditoria para ver quanto ouro existe na Reserva Federal em Nova Iorque (que actua como detentora do ouro estrangeiro em Fort Knox).
Bem, alguns dos conservadores monetários do Congresso, como o Senador Paul, dizem: “Quero ir a Fort Knox. E olha, deixa-me ver se há alguma coisa nos cofres. Eles não o deixaram entrar. E ele disse, olhem, sou um senador. Estou no Congresso. Sabem, têm de deixar o Congresso [ver]. Temos de entrar. A resposta foi: “Isto é segurança nacional”. O Congresso não pode saber quanto ouro temos ou não temos lá.
Por isso, agora, o Sr. Musk está a dizer que vamos fazer uma auditoria à Reserva Federal e a Fort Knox. Têm de nos deixar entrar. E os Estados Unidos entraram em pânico. A especulação agora é que o preço do ouro está a subir porque os Estados Unidos podem já não ter mais ouro para manter [o preço] baixo. E, de facto, os Estados Unidos estão a tentar comprar tudo de novo para o colocar em Fort Knox, de modo a que as pessoas pensem que afinal os Estados Unidos têm o ouro.
Assim, de repente, estamos a ver as ligações a que.... De repente, a motivação para a compra de ouro, que existe desde 1971, está a rebentar.
E toda a gente diz, ok, agora que a procura de ouro está a subir, isso significa que o preço do ouro vai subir. Quando a procura excede a oferta, é isso que acontece. E à medida que o ouro sobe, outros países, não só a Rússia e a China, mas toda a Europa, todo o mundo, vão dizer: “Podemos ganhar muito mais dinheiro com ouro nas nossas reservas do que com títulos do tesouro dos EUA ou títulos nas nossas reservas. Portanto, vamos vender os nossos créditos do tesouro americano e comprar ouro.
Bem, se isso acontecer, podem imaginar a desdolarização do mundo. E lá se vai toda a base do controlo financeiro americano da economia mundial. Lá se vai o papel central do dólar americano. De repente, não só cedeu o lugar ao ouro como também o está a ceder às moedas estrangeiras, aos países que negoceiam na moeda uns dos outros, como a China e a Rússia, que negoceiam nas suas próprias moedas nacionais para as suas importações e exportações.
Assim, está a ser desvendada toda a ficção de que, de alguma forma, não há alternativa aos títulos do tesouro que os governos estrangeiros detêm nas suas reservas cambiais que seja uma melhor compra do que os títulos do tesouro dos EUA. De repente, sim, há uma melhor compra. É o ouro. E assim, os insectos do ouro estão todos a saltar para isto.
E estamos todos à espera de ver se o Sr. Musk e a sua equipa de investigação irem a Fort Knox e à Reserva Federal e dizer: há mesmo ouro aí? O que é que lhe aconteceu? Quer dizer que não houve um mercado livre de ouro durante todos estes anos? Pode explicar-nos o que está por detrás da política dos EUA?
E essencialmente, será a dinâmica da América ter o privilégio exorbitante de poder pagar todas as suas despesas militares no estrangeiro, a sua Guerra Fria, a sua desindustrialização, simplesmente imprimindo IOUs (I owe you)que acabam em bancos centrais estrangeiros. E, finalmente, têm a alternativa de dizer apenas: “Vamos comprar mais e mais IOUs”. Quando, se fizermos a contabilidade básica, os Estados Unidos devem tanto dinheiro aos governos estrangeiros, enquanto têm um défice na balança de pagamentos, principalmente por causa da guerra, que é impossível pagar aos outros países o dinheiro que lhes deve em dólares pelos dólares que eles têm nas suas reservas.
Assim, todo o eixo da viagem financeira gratuita da América, que descrevi no meu livro, Super Imperialism, está a desfazer-se. Juntamente com tudo o resto que estamos a ver desfazer-se na política externa americana nos dias de hoje.
NIMA ALKHORSHID: Richard, vai?
RICHARD WOLFF: Sim, acho que se pode ver isto, e acho que o Michael e eu fazemos este dueto com bastante frequência. Deixem-me tentar colocar num contexto histórico maior o que ele está a dizer.
O declínio de um império assume muitas formas. Foram precisas muitas manobras complicadas para construir o império. O sistema que o Michael acabou de resumir. A capacidade do dólar dos Estados Unidos para desempenhar um determinado papel no mundo, e depois poder continuar a fazê-lo, mesmo quando passa de um orçamento excedentário para um orçamento equilibrado, para um orçamento deficitário, e agora para défices que calculamos nos milhões de milhões (trillions] de dólares por ano.
Ora bem, não é preciso ser um génio para perceber que o que pôde funcionar a um determinado nível deixa de funcionar. O que podemos fazer se não tivermos uma dívida nacional superior ao nosso PIB torna-se uma questão mais questionável quando a nossa dívida nacional é superior ao nosso PIB. Passámos de uma situação para a outra, e não se trata de uma questão técnica.
Basicamente, o que o Michael nos está a ensinar é quais são os mecanismos que começam a não funcionar a um nível, apesar de terem funcionado a outro nível.
Porque é que agora as pessoas estão a fazer estas perguntas? Bem, é porque o preço do ouro está a ficar louco. E quando perguntamos, o que é que se passa? Porque, literalmente, o preço do ouro, se olharmos para os últimos 10 anos, veremos movimentos de preços que não têm explicação possível na linguagem normal que usamos para isso.
Agora, as pessoas inteligentes vão começar a dizer, bem, o que é que se passa aqui? Pois é. O investidor só quer saber se eu consigo vender a ação por mais do que a comprei. Mas o resto de nós está a tentar saber o que se passa aqui.
Agora começamos a ver que, oh, olhem, os chineses que já foram o primeiro credor dos Estados Unidos são agora o segundo. Porquê? Porque o Japão, que costumava ser o número dois, tornou-se o número um
E a relação política entre o Japão e os Estados Unidos é quase o oposto do que era. Quero dizer, o Japão subordina-se aos Estados Unidos por todo o tipo de razões. A China não o faz. E isso é uma grande pista sobre o que se está a passar aqui.
E depois, quando se salienta que a Rússia também o é, e se se vai ainda mais longe, que a nossa grande aliada Inglaterra também o é, trata-se de declarações de pessoas que tomam uma decisão muito antiga. Quanto mais endividado for o devedor a quem estamos a dar crédito, mais é melhor repensarmos o que estamos a fazer, porque essa pessoa, se chegar ao ponto que o Michael mencionou, de ser incapaz de pagar porque não consegue jogar o velho jogo, vamos ficar presos. E não queremos ficar presos. E mesmo que só fiquemos presos temporariamente, esse estar preso temporariamente pode ser o momento em que precisamos daquilo e não o conseguimos obter.
É como se as pessoas não compreendessem que o FDIC [Federal Deposit Insurance Corporation] garante o seu depósito bancário, mas não garante a rapidez com que o vai receber. Se o seu banco falir e fizer um pedido de indemnização, tudo bem, eles processam o pedido. Dois anos depois, recebe o dinheiro. Sim, mas nesses dois anos, precisavas do dinheiro para a operação da tua mulher que não o recebeu e que morreu. Quer dizer, estou a inventar, mas só quero que as pessoas vejam que há uma forma racional de um império em declínio...
Deixem-me ir ainda mais longe. Deixem-me levar isto para casa. Os europeus, nos últimos 10 dias, receberam uma mensagem que não queriam ouvir. Que as dificuldades do império americano exigem não só tarifas e proteção, porque não podem competir como antes, mas também que vão comer os seus aliados. Vão matá-los à fome, quebrá-los e retirar-lhes tudo o que eles pensam que lhes deram.
E, sabem, é uma história muito antiga. Se estiver muito frio em nossa casa e não tivermos mais lenha, começamos a tirar as tábuas da lateral da casa e a colocá-las na fornalha. Isso aquece-nos? Sim, aquece. Mas da próxima vez que houver uma tempestade, a neve vai entrar diretamente na sua sala de estar.
Não se pode fazer o que se está a fazer. Não é barato tirar a tábua de madeira. Pode parecer que sim, porque não tem de a pagar. Já está na sua casa, mas não o pode fazer. E não pode fazer aos europeus o que está a fazer sem que eles tomem medidas, não com hostilidade, mas para se salvarem, que interfiram com o seu plano de utilizar os recursos deles para se salvar.
Estamos num momento muito importante. Sei que o Michael e eu temos vindo a dizer isto há algum tempo, mas parece-me que, quer olhemos para os preços do ouro, quer olhemos para o comportamento notável do Vice-Presidente Vance na Europa na semana passada, estamos a assistir à aceleração dos sinais de declínio.
MICHAEL HUDSON: Bem, Richard, é para isso que servem os aliados. Vamos chamar-lhes protetorados.
Quero deixar claro que o que estamos a falar é da dívida externa dos Estados Unidos. O problema não é a dívida interna.
Há alguns meses, no programa do Neiman, explicámos que não há qualquer problema interno em ter um défice porque, enquanto os Estados Unidos tiverem dívidas em dólares, podem sempre imprimi-los para os americanos.
O problema é que, se os Estados Unidos têm dívidas em dólares com países estrangeiros, não podem imprimir a sua moeda e eles não querem mais dólares. Atualmente, há um excesso de dólares. E foi esse excesso de dólares, penso eu, que levou o Presidente Trump a dizer: “Temos de reduzir a nossa despesa militar”. A despesa militar não só está a aumentar o défice orçamental interno, que agora está a causar enormes pagamentos de juros aos detentores de obrigações, como também está a criar um problema real a nível internacional. As pessoas estão agora a duvidar do facto de que o dólar pode pagar.
Duvidam? Estão a calcular que sabem que o dólar não pode pagar. Então ele está a tentar dizer, bem, o que é que fazemos? Vamos fazer com que os aliados paguem. Vamos mandar-lhes uma fatura pela Guerra Fria. Vamos deixar de gastar dinheiro com a Rússia, uma guerra com a Rússia, porque esse tem sido o maior fator do défice da balança de pagamentos dos EUA, injectando todos estes dólares na economia mundial que acabam em bancos centrais estrangeiros que os querem usar agora para comprar ouro.
É essa a ligação entre a despesa militar e a razão pela qual o ouro está a subir. E Trump, penso que é para evitar esta realidade que o dólar esgotou a sua capacidade de dominar a economia mundial da forma que tem feito desde a Primeira Guerra Mundial, ao ter a maior parte do fornecimento de ouro do mundo.
Em 1950, os Estados Unidos tinham 80% do ouro monetário do mundo. Bem, podem imaginar o quanto isso diminuiu agora. Era a maior potência exportadora de agricultura, petróleo e indústria, porque a Europa fora destruída durante a guerra.
Já não existe nada disso. O mundo inteiro que foi construído depois da Segunda Guerra Mundial está a desmoronar-se. E Trump está a reconhecer isso e está a tentar desvincular-se da Guerra Fria.
E o problema é que, ao desvincular-se, ele não só mostra a ficção que está subjacente ao preço do ouro no dólar americano, mas também a ficção de que a Europa precisa de proteção da Guerra Fria, que a Europa precisa de proteção militar no caso de a Rússia invadi-la.
Nos últimos dias, assistimos a uma mudança radical, pela primeira vez, de toda a narrativa sobre o que é a Guerra Fria e o que é a guerra na Ucrânia da NATO contra a Rússia e da NATO contra a China.
Estamos a assistir a uma mudança total na narrativa e a uma negação absoluta. Ontem à noite vi na NBC e na CBS o Trump a dizer que foram a NATO e a Ucrânia que atacaram a Rússia. A Rússia respondeu a isso. A Ucrânia teve uma hipótese de paz e não a quis. É por isso que não a queremos à mesa de negociações. A Ucrânia teve três anos para negociar a paz. Estava em cima da mesa, tudo assinado. E depois Boris Johnson veio de Inglaterra e disse, não, não, não há luta.
E Trump está a dizer, eis o que realmente aconteceu. E a Europa, sabem, nós não vamos pagar pela ficção que a Europa está a passar, que a Rússia vai estar disposta a perder 10 milhões de pessoas, 10 milhões de soldados a invadir militarmente a Europa. Não o vai fazer. A Rússia não precisa da Europa. Não há nada que a Europa tenha para oferecer à Rússia. É tudo uma ficção. E a ficção é inventada pelos fabricantes de armas militares que estão a tentar dizer: “Têm de comprar as nossas armas. Têm de nos tornar extremamente rentáveis para impedir a invasão dos elefantes russos. Toda esta narrativa fictícia está agora a desmoronar-se.
E em parte é a narrativa financeira. É a narrativa militar. É toda a narrativa de que os países vão invadir. O único país que está a invadir, o único grupo que está a expandir-se é a NATO. E Trump diz que não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar dinheiro a subsidiar o complexo industrial militar. E, de facto, a sua equipa, Musk e os outros estão a analisar os enormes pagamentos excessivos do Pentágono para despesas militares, os enormes pagamentos excessivos para despesas da Guerra Fria através da [US]AID e do National Endowment for Democracy e todo o orçamento negro da CIA. Tudo isto está a ser calculado e apresentado. Penso que quando Donald Trump apresentar a sua mensagem sobre o Estado da União, em março, vai dar todos os resultados preliminares das descobertas. E vai dizer: “Isto foi o que encontrámos.
A razão pela qual estamos a ter um défice é este enorme desperdício em projectos de que não precisamos, que não ajudam a América, que apenas ajudam os interesses especiais dos fabricantes de armas, os neoliberais, os neoconservadores que tomaram conta de todo o Partido Democrata, e os jornais, as revistas e os meios de comunicação social que o grande Wurlitzer [fabricante de instrumentos musicais, NT] da política da CIA dos EUA tem manipulado. A política da CIA dos EUA tem manipulado a opinião pública estrangeira para imaginar que a Rússia atacou a Ucrânia sem provocação, em vez de ter sido provocada por todas as razões que o Presidente Putin da Rússia e o ministro Lavrov têm revelado em conversas sucessivas.
Penso que tudo isto foi discutido na Arábia Saudita, na reunião da semana passada, e é muito claro quando se tem Marco Rubio e o secretário de Estado e outras pessoas que, no passado, não foram guerreiros frios, não foram brandos com a Rússia. Estão a reconhecer que a realidade do que tem acontecido historicamente é muito parecida com a ida de Nixon à China.
Só os republicanos poderiam ter feito isto. Não porque seja óbvio que não são marionetas de Putin. Não são marionetas da China. Só eles poderiam ter sido capazes de o fazer sem que lhes dissessem: “Oh, vocês são apenas agentes estrangeiros”.
Toda a narrativa fictícia da administração Biden e da administração democrática e Obama antes disso, que deu início a todo este pivot da Guerra Fria para combater a Rússia, está agora a ser desvendada. E vamos ver o desenlace nos próximos meses.
RICHARD WOLFF: Permitam-me que acrescente, mais uma vez, que isto é o desmembramento de um império. É o esforço de um determinado grupo de pessoas para gerir esse processo e para o conseguir, apoiando as pessoas que estão no topo, os 10% de americanos que detêm 80% das acções, que têm assento nos conselhos de administração, tudo isso, e o enorme aparelho que criaram ao longo dos últimos 80 anos de hegemonia americana. Este é o reconhecimento de uma parte deles. Ainda uma minoria na minha, pelo que posso dizer. Mas uma minoria que conquistou o poder, o que já diz muito. E vão tentar agarrar-se ao topo, ao topo, enquanto o quadro geral é ajustado, porque já não o conseguem fazer. E estão dispostos a dizê-lo.
Quero lembrar às pessoas, porque o Michael acabou de me lembrar, que voltemos a 1971, quando a coisa impensável, entre outras, era retirar os Estados Unidos do padrão-ouro que fora estabelecido em Bretton Woods no final da Segunda Guerra Mundial como parte da nova ordem internacional. E Nixon disse: “Já não estamos a comprar ouro ao preço acordado. Estamos a sair do padrão. E o ouro na altura, sabem, o que é agora? São milhares de dólares, não 42 ou o que quer que fosse na altura.
Muito bem, este foi um conservador republicano, que estava em posição de dizer o impensável, que um democrata não poderia ter feito.
E, por isso, penso que estamos a ver novamente alguém que, por razões de promoção política, se agarra a algo muito maior do que ele próprio, que pode aproveitar durante algum tempo.
Mas agora, e talvez aqui esteja uma discordância entre mim e o Michael, não sei. Os neoconservadores pensavam que tinham a forma de gerir o sistema. Durante algum tempo, parecia que o conseguiam fazer. Durante algum tempo, conseguiram-no mais ou menos. E depois não conseguiram mais. E agora caíram.
Ninguém deve pensar que as pessoas que estão agora no comando não estão igualmente cheias de contradições que podem não ser capazes de controlar. Podem não ser. Por exemplo, pode não ser, para o dizer em termos mais latos, pode não resultar manter a riqueza e os privilégios dos 10 ou 15 por cento do topo dos Estados Unidos enquanto o resto do império se afunda. E à medida que essas pessoas no topo empurram os custos do declínio para a massa da população.
Lembro-me disso quando vejo o despedimento em massa de grandes grupos de trabalhadores federais. O que é isto? Não somos estúpidos. Portanto, a noção de que tudo isto tem a ver com eficiência. Quero dizer, isso é demasiado estúpido. Não vou lidar com isso. É como dizer que é tudo por causa do carvalho ali no canto. Eu percebo que o carvalho é muito poderoso, mas não vou levar isso a sério.
Então, o que é que eles estão a fazer? Bem, o Michael dá-nos parte da resposta. Têm de fazer alguma coisa em relação ao nível dos défices que estão agora fora de controlo. Por isso, vão cortar nos funcionários públicos. Vão dizer-nos que se trata de eficiência. Mas todos sabemos que, sabe, a eficiência é como a beleza. Está nos olhos de quem vê. Vão atacar todo o tipo de programas. Não só a diversidade, a igualdade, a inclusão, os programas DEI [Diversity, Equity and Inclusion], obviamente isso, mas muitas outras coisas vão ser eliminadas. Já vimos uma dúzia de exemplos na imprensa de despedimentos e de recontratação na manhã seguinte, quando se percebe que não se trata de um grupo de trabalhadores sobre os quais se possa contar a história da eficiência.
Sabe, haverá muito disso. Haverá muita conversa nos media porque a direita, os meios liberais não compreendem a situação. Por isso, dão a história certa para que Trump os derrube. Quer dizer, estamos a assistir a uma estupidez ao quadrado, mas isso, mais uma vez, é um sinal de declínio.
Mas a classe trabalhadora pode não aceitar isso. A classe trabalhadora pode compreender que se realmente despedirem centenas de milhares de funcionários do governo federal, está a ensinar a uma parte da sua classe trabalhadora que aceitou salários mais baixos do que poderia ter exigido porque obtinha segurança no seu emprego. Sim, é difícil trabalhar nos correios, mas quando se tem o emprego, tem-se o emprego para o resto da vida...
Estão a dizer-lhes que não, não têm. Não há segurança no emprego federal. Isso é um choque para o sistema americano. E sabem quem tem sido o grosso dos funcionários públicos durante 50 anos? Os excluídos da corrente dominante desta cultura: as mulheres, os negros e os pardos. É isso que se vê nos correios. Estou a exagerar, mas percebem a ideia.
Estamos a pegar em pessoas cuja lealdade ao capitalismo já era questionável e estamos a magoá-las, a chocá-las e a tirar-lhes a segurança que foi o que elas negociaram ao aceitar o resto desta cultura. Vamos assistir ao desenrolar desta situação, e garanto-vos que vai abalar esta sociedade.
Mas ainda não acabei. Essas pessoas despedidas do sector público, para onde é que vão? Têm de ir para o sector privado, e aí haverá um excesso de oferta de mão-de-obra, e farão baixar os salários, as condições de trabalho, tudo o resto. Como se oferecem a si próprios, desesperados sem um emprego público que os salve, têm de se juntar aos outros recepcionistas no local de trabalho da Amazon, ou no shopping, ou no Walmart, ou onde quer que consigam os péssimos empregos que estarão disponíveis para eles, também sem segurança.
Já temos um movimento laboral a renascer neste país. Isto vai ser um grande impulso de recrutamento para eles. Esperemos que eles o saibam, que o compreendam e que tirem partido dele.
Mas não tenho a certeza de que o Sr. Trump tenha percebido isto suficientemente bem. Ter um multimilionário à frente de quem está a despedir toda a gente não é inteligente, é estúpido. Porque o que isso faz é galvanizar o fosso entre eles e eu. Sou um trabalhador dos correios, acabei de perder o meu emprego e, nessa noite, na televisão, vejo o homem mais rico do mundo a gabar-se do que está a fazer. Isso não é inteligente. Não é nada inteligente. E esse tipo de erro pode voltar e morder-nos no traseiro.
Os europeus, último ponto. Há algo de patético no que estamos a ver. Todos aqueles líderes europeus, que não conseguem chegar a acordo sobre quase nada, reunidos num palácio caro no centro de Paris, a serem recebidos por Macron, cujos dias como líder da França estão contados, e o número é pequeno. Há aqui qualquer coisa de patético. “Vamos gastar milhares de milhões na defesa”. Claro que vão. Claro que vão.
E de onde é que esse dinheiro vai vir? Como é que vão fazer isso? A Alemanha é a vossa potência. Estão a contar com mais um ano de recessão. Não estão a produzir nada. Precisam muito do petróleo e do gás da Rússia e parece que nem sequer o vão aceitar, mesmo que lhes seja fornecido ou oferecido. Estão tão perdidos. E estas são pessoas de quem a melhor coisa que tenho a dizer é que, ao saírem da Segunda Guerra Mundial, fizeram o que, na altura, me parece fazer sentido. Mas ao longo das décadas, os líderes deveriam ter compreendido que apostaram tudo no cavalo errado.
MICHAEL HUDSON: Richard, penso que o que está a descrever é, bem, por um lado, todos aprovamos os movimentos dos republicanos para acabar com a Guerra Fria e para pôr fim ao conflito militar.
O objetivo de tudo isto é posicionarem-se para a guerra de classes doméstica que está a descrever. E não posso discordar de si neste ponto. É precisamente isso que tem estado a acontecer.
E quando vemos o, eu ia dizer Presidente Musk, quando vemos Musk a apoiar a Alternativa para a Alemanha (AfD] e os partidos de direita na Europa, os outros partidos que estão a fazer o que nós gostamos de ver, acabar com a Guerra Fria, acabar com o confronto militar, acabar com a matança, tudo isto é motivado pelo facto de não querermos continuar a ter um défice orçamental. E não vamos parar apenas com o cancelamento do orçamento militar, com a redução das despesas com armamento industrial militar, vamos também cortar o défice dos serviços públicos, das despesas públicas, das despesas sociais, da forma que acabou de descrever.
Agora, o que é tão surpreendente nesta história, é que foram os partidos de direita que se prepararam para tudo isto. Desde a Alemanha, à Itália, à Holanda, à Áustria, a outros países, e dizendo: “Bem, não vamos parar com o fim [da Guerra Fria, que] acabou, a guerra de classes está de volta. Posicionámo-nos para começar a equilibrar o orçamento. Vamos ter de gastar muito mais do nosso dinheiro a comprar petróleo e gás americanos. Isso vai criar o nosso défice na balança de pagamentos. A razão pela qual estamos a ter um défice é este enorme desperdício em projectos de que não precisamos, que não ajudam a América, que só ajudam os interesses especiais dos fabricantes de armas, os neoliberais, os neoconservadores que tomaram conta de todo o Partido Democrata, e os jornais, as revistas e os meios de comunicação social que o grande Wurlitzer da política da CIA dos EUA tem manipulado. A política da CIA dos EUA tem manipulado a opinião pública estrangeira para imaginar que a Rússia teve um ataque não provocado à Ucrânia, em vez de ter sido provocada por todas as razões que o Presidente Putin da Rússia e o ministro Lavrov têm revelado discurso após discurso.
E é esta harmonia de interesses de classe entre as classes financeiras, o 1% superior, que é muito diferente na Europa, especialmente em países socialistas [sic]como a Suécia, do que nos Estados Unidos.
E parte da caraterística marcante disto é o facto de não haver uma defesa de esquerda sobre o assunto. O que você e eu estamos a dizer hoje é o que se poderia pensar que o movimento sindical, o movimento de esquerda, estaria a agir e a preparar-se para colocar num plano tão importante como o acordo da NATO com a Europa.
Mas não é esse o caso, porque a esquerda há muito que deposita a sua fé no partido de ultra-direita, o Partido Democrata dos Estados Unidos. Confiou nos democratas, que são o partido da guerra, o partido neocon, o partido neoliberal, o partido de Obama, o partido que em 2016 preferiu perder a eleição para Trump com Hillary a ganhar a eleição com Bernie Sanders, que era quase socialista. O partido que se recusou a ter primárias em 2024 e que preferia perder contra Trump a deixar que houvesse um conjunto aberto de primárias em que um candidato pró-trabalho pudesse varrer a rua com Harris.
Portanto, está a ver a necessidade de criar um partido político totalmente diferente. E isso requer um movimento político, uma ideologia política e um programa político.
E o único candidato presidencial que tinha um programa para isso era Jill Stein, que tivemos no programa de Nima várias vezes, explicando isso.
E a única coisa em que os Democratas e os Republicanos estão de acordo é que vemos o perigo de surgir um partido da classe trabalhadora e um interesse próprio da classe trabalhadora. Têm de impedir que qualquer terceiro partido tenha acesso ao boletim de voto para as eleições presidenciais e para as eleições estaduais e locais. Têm de garantir que os eleitores americanos estão limitados a votar entre o Partido Republicano e o Partido Democrata, ambos apoiantes do 1%. E a única diferença entre eles é: o 1% vai fazer a maior parte do seu dinheiro em ações industriais militares ou noutras despesas não militares e não bélicas?
Está a acontecer exatamente a mesma coisa na Europa. Esta é a luta comum com a Europa, onde o Partido Trabalhista em Inglaterra, sob a liderança de Starmer, acabou de assinar um acordo de 100 anos para apoiar a Ucrânia. Ele vai encontrar-se com o Presidente Trump na próxima semana em Washington, penso eu. Vai ser muito interessante ouvir isso.
A Alemanha está a dizer que vai proibir o AFD, o partido Alternativa para a Alemanha, de concorrer por ser fascista. O que é que é fascista? Opor-se à guerra com a Rússia. O que é que é fascista? Opor-se ao genocídio em Gaza? Proibiram as críticas ao genocídio e ao fascismo desde o Próximo Oriente até à Ucrânia. Estão a tentar proibir partidos políticos que não sejam partidos da Guerra Fria e, certamente, partidos que representem as despesas sociais e os interesses laborais.
E como os interesses laborais foram cooptados por grupos que se intitulam pró-trabalho, como o Partido Trabalhista em Inglaterra ou o Partido Social Democrata (SPD) na Alemanha, estamos a ver que isto é o que vai determinar os próximos 10 ou 20 anos. E os Estados Unidos estão nisto, e a Europa deixou que os media se concentrassem nas mãos dos interesses de direita.
Nos Estados Unidos, são os interesses da direita neocon. O New York Times, o Washington Post, o Wall Street Journal, dizendo que os principais jornais da Inglaterra, Alemanha e outros países também são controlados pela direita.
O prémio nesta luta é a narrativa. Em quem é que as pessoas vão acreditar? Vão acreditar que a maneira de estabilizar a economia é, bem, é preciso criar desemprego. Temos de evitar, temos de salvar os trabalhadores da inflação despedindo o maior número possível de trabalhadores. Se conseguirmos manter os vossos salários suficientemente baixos, o preço dos ovos não subirá tanto. Este é o neoliberalismo, esta é a profissão dos economistas no mainstream. Esta é a filosofia de funcionamento dos bancos centrais e é a filosofia dos governos de esquerda e de direita na Europa.
Por isso, acho que o que estamos a tentar fazer sozinhos aqui é criar uma narrativa alternativa, esperando que, de alguma forma, isto se solidifique e crie um movimento político concreto e um programa político concreto que se oponha a isto, devido à quase ausência de qualquer programa que tenha acesso aos meios de comunicação públicos, à imprensa, à televisão, ao cabo, aos meios de comunicação fora da Internet.
RICHARD WOLFF: Deixem-me, deixem-me acrescentar a isso, se puder, duas considerações. Uma, para que tudo isto funcione, tem de haver uma redistribuição da riqueza e do poder. Por outras palavras, para que este programa que o Michael delineou, para acabar com a Guerra Fria, para reaproximar os EUA e a Rússia, para subordinar os europeus, tudo isto, eles vão tentar redistribuir a riqueza de várias formas.
Uma, de que já falámos, descarregando os custos do declínio do império sobre as suas classes média e baixa, concentrando a sua riqueza de modo a poderem criar, cito, uma arquitetura de defesa europeia, tentando manter o poder neste universo de “A Rússia é o nosso perigo. Nós somos os líderes em quem todos devem votar porque, vejam, estamos a salvar-vos da Rússia”.
A aliança com os Estados Unidos foi racionalizada e celebrada dessa forma. Agora que os Estados Unidos não vão desempenhar esse papel, eles vão fazê-lo com a defesa. E isso significa cortar nos programas sociais.
Para que isto funcione, tem de haver uma aceitação pela massa das pessoas de um declínio no seu nível de vida. Não estou a ver nenhuma saída para isso. Certamente um declínio relativo, mas possivelmente um declínio absoluto. Muito bem, então como é que se vai conseguir isso?
A única forma de o conseguir, tendo em conta o que vemos no mundo de hoje, é se coligações políticas do tipo que vemos em Trump, ou na União Democrata-Cristã, ou nos sociais-democratas na Alemanha, ou em Macron, tudo isso, é o seguinte: a classe dominante, um pequeno grupo de pessoas, os um a cinco a dez por cento que se sentam no topo, sempre compreenderam que num universo de sufrágio universal, o seu domínio do poder é inseguro.
Não têm, para usar uma linguagem antiga, uma base de massas. E por isso criaram uma forma de o fazer. Vou usar o exemplo americano, mas, com as devidas adaptações, também se aplica à Europa.
Assim, aqui nos Estados Unidos, o Partido Republicano apresenta-se tradicionalmente como a melhor forma de o fazer. Nas últimas décadas, o Partido Democrata tem tentado tornar-se um concorrente para fazer a mesma coisa.
Assim, os republicanos constroem a sua coligação da seguinte forma. Dirigem-se aos supremacistas brancos e dizem: “Se apoiarem o Partido Republicano e, em particular, as reduções de impostos para os ricos, a liberdade, e se fizerem tudo o que nós quisermos, dar-vos-emos uma oportunidade de vida que o resto da sociedade americana não vos dará”.
Em segundo lugar, iremos ter com aqueles de vós que estão muito preocupados com o aborto. Nós vos daremos mais do que os republicanos vos deram no passado, se nos derem o apoio de que precisamos para tomar as medidas económicas necessárias.
Eles vão ter com os entusiastas das armas. Vão ter com os fundamentalistas cristãos. Podemos fazer uma lista. Todos nós conhecemos as comunidades que fizeram um acordo. Nas palavras do filho de Billy Graham, “O Sr. Trump não é um bom cristão, mas é muito bom para o cristianismo”. Pronto, aí está. Não é preciso uma bússola para saber do que se trata. Isto é um acordo.
Os Democratas não puderam ou não quiseram fazer o que era necessário para manter a sua base de massas: não-brancos, sindicatos, mulheres, minorias, tudo isso, intelectuais, porque a liderança do Partido Democrata não foi capaz de os satisfazer socialmente, por isso decidiram, em vez disso, ir atrás do dinheiro dos ricos para se tornarem concorrentes dos Republicanos pelos grandes donativos. E obtiveram-nas na condição de desvalorizarem os sindicatos e as minorias. E foi o que fizeram. Por isso, perderam essas pessoas e elas acabaram por votar em Trump.
Muito bem, agora a questão é esta e eis o que eu gostaria de dizer. São conversas como esta, que trazem à tona os aspectos que os principais media ignoram ou minimizam. Essa é a nossa melhor hipótese, e aqui está o político que há em mim, de enfraquecer, quebrar, atrofiar essa aliança.
Se conseguirmos deixar claro que o custo do que é proposto por Trump e Musk, e do que é acomodado, como estou certo de que veremos, pelos Democratas, é o enfraquecimento da posição social das pessoas que são cristãs, das pessoas que são supremacistas brancas.
Não podemos, e não queremos, argumentar contra os seus preconceitos. É assim que eles são. Isso é outra coisa. Seremos inimigos disso, façamos o que fizermos. Eles hão-de descobrir isso. Nós sabemo-lo.
Mas podemos apelar a eles com base no que lhes está a acontecer, pois estão envolvidos nas mesmas coisas que discutimos neste programa. E essa é a maneira de enfraquecer, de quebrar essa coligação, de tornar muito mais difícil para os Trumps e os Musks obterem o apoio de todas essas bases de massas específicas com que contam.
Isso é crucial. Penso, e devemos compreender que essa é uma função tão importante dos nossos debates como qualquer outra coisa. Sim, queremos equipar a esquerda para que compreenda melhor, para que crie melhores estratégias, para que descubra os pontos fracos a atacar. Sim, devemos fazê-lo. Mas também podemos fazer um trabalho muito importante na coligação, sem a qual nada disto vai acontecer. Nada disto.
E, já agora, se não o fizermos, o Partido Democrata fá-lo-á. Terão de o fazer para voltarem a ser o partido no poder, com as suas bases de massas a ultrapassar as bases de massas que os republicanos obtêm.
E nessa luta, veremos sempre Jamie Dimon a explicar ao mundo que não lhe interessa qual destes partidos ganha. Porque ele ganha em qualquer dos casos.
E estou a ver isso agora. Consigo vê-lo a não ficar nada perturbado ao ver o Sr. Musk a usar a eficiência para racionalizar o corte de programas sociais. Isso é tão velho como Matusalém. Todos os homens de negócios querem acreditar que se pode reduzir os impostos e que tudo o que isso faz é remover a gordura do orçamento federal. É assim que eles falam. Foram educados nessa forma de pensar. E, nesse sentido, não há nada de novo no Sr. Trump.
Richard, há uma palavra que não dissemos e que não ouvi em lado nenhum nos meios de comunicação públicos. E essa é “dividendo da paz”. Basta pensar que depois de cada fim de guerra anterior, falava-se sempre de um dividendo de paz no fim da guerra. Não se ouve falar disso agora. E porquê?
Bem, acabou de descrever o facto de os dividendos da paz não irem para as pessoas que os esperavam no final das guerras anteriores. Penso que esta frase, dividendos da paz, pode ser a nossa estaca a espetar no coração do Drácula, do Partido Democrata e da direita republicana. O que é que eles vão fazer por um dividendo de paz? Para quem é que vai ser? Será que o dividendo da paz vai assumir a forma de desemprego em grande escala, de despedimento de agências reguladoras governamentais? Começaram agora a despedir funcionários do IRS. Assim, ninguém pode verificar as declarações de impostos das pessoas mais ricas. E as investigações sobre as declarações de impostos já estão a incidir principalmente sobre a classe média, não sobre o 1%. Portanto, é isso que estamos a fazer...
Vejamos que tipo de cortes estão a ocorrer. E para cada tipo de corte que a equipa de Musk apresenta e diz, isto é um dividendo de paz ou um dividendo de guerra de classes? Essa é a frase, essa é a narrativa, penso eu, que queremos pôr em prática. E é um dividendo de paz, não gastar tanto dinheiro no orçamento militar, na Raytheon e em todos os outros mercadores da morte.
Mas será basicamente, ok, estamos a reduzir o défice, por isso não temos de gastar tantos juros na rolagem da dívida federal, e podemos baixar os juros juntamente com as despesas militares. Mas eles estão a ir com tudo. E quando Musk diz que vamos cortar tudo, o que ele quer dizer é que vamos cortar os dividendos da paz, bem como o fim da Guerra Fria.
É exatamente isso que queremos salientar, que o fim da Guerra Fria deveria ser uma capacidade para aumentar os salários, as despesas de consumo, para aumentar o nível de vida dos assalariados e da chamada classe média, que são assalariados que não querem pensar em si próprios como assalariados, mas como investidores imobiliários em miniatura, capitalistas em miniatura, queremos uma mudança de narrativa.
Penso que disse que talvez os eleitores possam mudar o Partido Democrata, não creio que isso seja possível. Penso que o Comité Nacional Democrata estruturou o Partido Democrata como uma entidade corporativa separada, controlada pelo atual conselho de administração do partido, que é mais soviético do que a União Soviética costumava ser.
E o último dirigente do Comité Nacional Democrata acabou de dizer que queremos manter todos os apoiantes de Bernie Sanders fora do Comité Nacional e da votação.
Assim, o Comité Nacional, quando chega a altura da convenção de nomeação dos presidentes, pode votar mais do que todos os eleitores. Isto é que é ter 0,1% de votos a mais do que 99,9%. É assim que o Partido Democrata está estruturado com o Comité Central.
Por isso, não creio que seja possível fazê-lo através dos democratas. Tem de ser feito através de um novo movimento político que não seja levado a pensar que, de alguma forma, a única alternativa para apoiar os trabalhadores e os assalariados é o Partido Democrata.
Trump já ganhou mais apoio dos trabalhadores. E penso que, com a sua habilidade narrativa, vai provavelmente manter esse apoio. E não vejo nenhum dos democratas no Congresso, em todas as votações partidárias que têm surgido, disposto a tomar uma posição no tipo de coisas que costumavam ser chamadas, associadas a Bernie Sanders e ao grupo. Têm estado totalmente silenciosos em tudo isto.
Estão a morrer de cócegas por verem, finalmente, o Partido Democrata e os Republicanos chegarem hoje a um consenso de que podem realizar o sonho do Presidente Obama, que vai mudar tudo.
Finalmente, eles podem reverter a Segurança Social e o Medicare. Esse era o sonho de Obama, a oportunidade bipartidária, o acordo bipartidário. A crise de 2008, quando ele socorreu os bancos, impediu-o de o fazer. Mas esse continua a ser o sonho tanto dos Democratas como dos Republicanos, juntos como um duopólio.
Portanto, estamos a lutar contra dois partidos. Não estamos a lutar apenas contra um partido. Descreveu a forma como os republicanos mobilizam a sua própria base, o que é bastante singular. Mas a base democrata é igualmente única. E esse é realmente o problema aqui.
E é o mesmo problema que temos na Alemanha, em França e noutros países. Temos Macron a agarrar-se ao poder e toda a elite do poder. É o que está a acontecer em toda a Europa.
Enquanto tudo isto está a acontecer, ainda hoje, nas reuniões do Grupo dos 20, temos imagens do Presidente Putin reunido com o Presidente Xi, ou os delegados russos e chineses, desculpem, reunidos em conjunto, oferecendo a alternativa.
Assim, penso que podemos justapor a posição dos países da NATO às discussões muito mais agradáveis que estão a ocorrer na maioria global.
RICHARD WOLFF: Sim. Um está no elevador a subir e o outro está no elevador a descer. E passam uns pelos outros, mas o movimento é inconfundível.
Para terminar, há duas coisas que penso que ilustram o teu ponto de vista, Michael. Reparei ontem na imprensa que alguém na operação Musk está nervoso. E a forma como ele articulou o nervosismo foi a reação. Fazem muitas sondagens sobre a reação dos trabalhadores de todo o país ao despedimento em massa de funcionários públicos. Ninguém está a perder isso.
Por isso, a sugestão deste trabalhador é que o melhor que têm a fazer é obter um dividendo imediato. A palavra dele, um dividendo imediato. Ele não lhe chamou dividendo de paz. Chamou-lhe fazer com que as pessoas apoiem o esforço de eficiência para que possam enviar a cada eleitor um cheque de 82 dólares e 19 cêntimos, que é o vosso benefício da eficiência conseguida com o despedimento de 280.000 trabalhadores, ou lá o que será.
Mas, como vêem, eles estão preocupados. Estão preocupados com o que estão a fazer e com a forma como isso pode sair do seu controlo e virar-se contra eles.
E aqui está um segundo exemplo. Esforço tremendo vindo dos porta-vozes dos produtores militares, como o que estamos a fazer é muito importante, preparem-se, pivot para a Ásia. Sabem o que é isso? É uma tentativa de dizer: “Muito bem, podem cortar no orçamento, mas temos de fazer da China um perigo tão grande como fazíamos da Rússia. Quando a Rússia deixar de ser útil como o arqui-inimigo contra o qual nos devemos proteger, temos de o dizer contra a China.
Os Estados Unidos, que partilham o Oceano Pacífico, podem conseguir isso. Para os europeus, é um esforço demasiado grande. Não o podem fazer. Têm de se agarrar à Rússia. E nessa dificuldade para eles, nós também teremos oportunidades extraordinárias.
MICHAEL HUDSON: Concordo.
NIMA ALKHORSHID: Então vamos lá acabar com isto. Muito obrigada, Richard e Michael, por estarem connosco hoje. É um grande prazer, como sempre. Ouvir-vos e aprender convosco.
RICHARD WOLFF: Aprendo sempre e também estou grato.
NIMA ALKHORSHID: Cuidem-se. Até logo.
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