quinta-feira, 11 de maio de 2023

Os BRICS podem salvar a Argentina?


A Argentina anunciou recentemente que adotará o yuan, em vez do dólar americano, para o comércio com a China – o mais recente desenvolvimento de um processo global mais amplo de desdolarização.

Isso ocorre no momento em que a Argentina está pressionando para ingressar formalmente no BRICS, para o qual diz ter o apoio do Brasil, da Índia e para o qual a Rússia e a China sugeriram um possível apoio no passado. A Argentina é a segunda maior economia da América do Sul com potencial significativo para contribuir com os BRICS, mas o país também está enfrentando uma crise econômica cada vez mais extrema, com uma inflação descontrolada que atinge novos máximos a cada semana.

Um sistema financeiro multipolar pode ajudar economias em dificuldades como a Argentina? Isso pode afastar o dólar e a adesão ao BRICS, salvando o país de um desastre potencial?   Sim, mas apenas se a Argentina parar de oscilar nas decisões econômicas e de política externa.


A turbulência econômica da Argentina atingiu níveis desesperadores, resultado da escravidão por dívidas ao Fundo Monetário Internacional, falta de acesso a dólares e uma seca histórica que afetou as exportações agrícolas cruciais. Enquanto a taxa de câmbio oficial com o dólar americano é de 222 pesos por 1 dólar, o ‘Dollar Blue’, a taxa não oficial oferecida no mercado negro, chegou a 500 pesos nos últimos dias. Para contextualizar, em 2014 sob a presidente de esquerda, Cristina Kirchner, a taxa oficial era de 8 pesos por 1 dólar e a taxa não oficial girava em torno de 12-14 pesos.

A inflação anual é de 104% e os argentinos têm tentado combatê-la mantendo suas economias em dólares americanos e até em criptomoedas. O mercado de criptomoedas não está tão otimista quanto há alguns anos, e os aumentos da taxa de juros do Fed, juntamente com a especulação na Argentina, tornaram o acesso aos dólares muito difícil e caro. Mais importante ainda, a dívida colossal acumulada com o FMI é denominada em dólares.


A economista argentina Gisela Cernadas, agora trabalhando na China com Dongsheng News, explicou a situação perigosa causada pela dependência do dólar.

A Argentina vem sofrendo, há muito tempo, com uma conta corrente estruturalmente desequilibrada”, disse ela. “Isso significa que o país precisa de mais dólares americanos para funcionar do que tem.

Para realizar suas atividades produtivas, a Argentina precisa de insumos imediatos que devem ser importados, como máquinas e equipamentos que devem ser importados em dólares”, explicou Cernadas.

Portanto, quanto mais a Argentina quer produzir, mais dólares ela precisa. Então, essa conta corrente estruturalmente desequilibrada pressiona o mercado de câmbio.”

Dias melhores virão?


Nesse contexto, a desdolarização do comércio com a China é claramente positiva, na medida em que amenizará o estrangulamento que o dólar americano exerce sobre o país. Também ajudará a proteger as reservas estrangeiras dos bancos centrais.

Pagar parte das importações da China usando a moeda chinesa em vez do dólar americano ajudará a aliviar a pressão sobre o déficit em conta corrente”, disse Cernadas. “Não vai resolver o problema estrutural de precisar de mais divisas para produzir e exercer a sua atividade produtiva, mas pelo menos aliviará parte da procura que têm.”

Ela observou que a Argentina e a China tinham US$ 20 bilhões em comércio em 2021, em comparação com um déficit de US$ 7,4 bilhões, e o acordo definitivamente ajudaria a aliviar a situação tórrida e os déficits em dólares americanos.

BRICS


A mudança para o yuan no comércio com a China já é uma realidade. O ministro argentino da Economia e Trabalho, Sergio Massa, disse que mais de US$ 1 bilhão em comércio será convertido em yuan. Os benefícios de dar um passo adiante e integrar sua economia com a dos países do BRICS são inegáveis. Um enfraquecimento das instituições financeiras dominadas pelos EUA, como o FMI, das quais eles são vítimas, também é inegável. Quão viável é isso?

O acordo com a China demonstra o compromisso do governo com um sistema financeiro multipolar. No entanto, a turbulência política, sabotagens da extrema-direta, dentro do país significa que o processo pode ser muito difícil, mesmo como membro do BRICS.

O atual presidente Alberto Fernandez viajou para a Rússia e a China pouco antes da operação militar russa na Ucrânia. Ele deixou claro que a Argentina deseja fazer parte de um mundo multipolar no qual a Rússia e a China desempenham papéis cruciais. Desde então, ele tem sido ambíguo em relação ao seu relacionamento com a Rússia, ao contrário dos governos do Brasil, Venezuela, Cuba, Nicarágua e Bolívia, que se reuniram com o chanceler Sergey Lavrov em sua viagem à América Latina algumas semanas atrás.

Além disso, e talvez o mais importante, a Argentina realizará eleições presidenciais em outubro que podem mudar drasticamente o cenário político do país. 

O presidente Fernandez já disse que não concorrerá à reeleição. A terrível situação econômica do país torna improvável que ele ou um de seus aliados vença de imediato. As pesquisas mostram que os resultados mais prováveis são um desafio da esquerda, como a atual vice-presidente Cristina Kirchner, que tem criticado a abordagem morna de seu próprio presidente em relação ao FMI e às questões de política externa, ou um desafio da direita bolsonarista de Horácio Larreta.


A ala do governo de Kirchner aprofundaria o compromisso da Argentina com a multipolaridade, de acordo com sua ideologia anti-imperialista e histórico de oposição ao FMI. No entanto, se a direita ganhasse o poder, eles retornariam às políticas servilistas pró-Washington do ex-presidente Mauricio Macri, provavelmente desistindo de sua candidatura à adesão ao BRICS.

Um cenário ainda mais extremo, mas igualmente provável, seria uma vitória do incendiário “libertário” Javier Milei. Milei é uma personalidade da mídia que se tornou congressista e atualmente lidera as pesquisas com cerca de 23% de apoio, contra 19% da direita conservadora e 17% da esquerda. Milei é uma figura populista controversa que se descreve como libertária e sua principal proposta é dolarizar a economia argentina. Ou seja, transformar o dólar americano em moeda nacional e abolir o peso. Obviamente, isso acabaria definitivamente com o papel da Argentina na construção de um futuro sistema financeiro multipolar.

Todos esses são fatores que os países do BRICS devem avaliar ao discutir a adesão da Argentina ao bloco. A atual turbulência política e econômica do país é consequência do domínio financeiro internacional neocolonial dos EUA, mas resta saber se a Argentina pode fazer parte da solução.

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