A CARA DO BRASIL - Entre Marighela e Eunice Paiva

Por: Douglas N. Puodzius

Eunice Paiva investigou o desaparecimento de seu marido, o Deputado Rubens Paiva, ao mesmo tempo que procurava manter a estabilidade de sua família, protegendo seus filhos dos horrores da ditadura. 

Eunice se formou advogada com a idade já avançada para empreender sua luta. Quis assim envidar os esforços com mais competência no enfrentamento da burocracia de um Estado voltado ao esquecimento de suas mazelas. Mas, ela nunca os deixou esquecer: Rubens Paiva, seu marido, era um deputado, do PTB, que foi levado e assassinado pelo aparato de torturas da ditadura tendo o corpo desaparecido. Uma situação infame que, aliás, assim permanece até hoje.

O filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, repassa o drama dessa mulher, acompanhando-a de perto desde quando o marido saiu de casa e entrou no carro, para desaparecer para sempre, levado pelos homens da repressão, em 1971.

Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens e de Eunice, escreveu o livro que da base ao filme. Ele conta como sua mãe (Fernanda Torres) passou 40 anos procurando a verdade sobre o esposo, interpretado por Selton Mello.

No âmbito das lutas contra a ditadura, destaca-se Carlos Marighella. Baiano, poeta, professor e político filiado ao PCB, o partido comunista brasileiro, foi um herói do Brasil. Obrigado a militar na ilegalidade decide atuar na guerrilha, quando se consolida o regime ditatorial no país. Marighella, fundou, a Ação Libertadora Nacional (ALN), em 1968. O grupo armado, sob seu comando, deflagrou, as primeiras operações de guerrilha urbana no Brasil. Como uma das mais importantes lideranças na resistência armada à ditadura, o guerrilheiro foi assassinado em novembro de 1969.

Marighella é um longa-metragem que traz à tona a trajetória desse revolucionário baiano, mais detidamente em sua ação como personagem fundamental para a queda da ditadura. O filme, de 2019, tinha previsão de estreia em 20 de novembro, no Dia da Consciência Negra, mas sofreu um boicote sem precedentes no país.

Duas peças muito interessantes e muito importantes para o entendimento da história da sociedade que temos hoje. Para além do que se apresenta nas telas, vale observar o que se passou e o que se passa a frente delas.

Demarca-se com muita propriedade o Brasil submisso de Bolsonaro, sob o domínio de um povo ignorante, incivilizado, rebaixado em sua condição física e moral e absurdamente violento, com o Brasil independente, de Lula, retomando sua posição de povo mais feliz do mundo, solidário e justo.

Cada um desses BRASIS recepcionou a obra de seu tempo. Enquanto, Marighella, esse filme poderoso, retratando a luta de um homem que morreu em defesa de uma sociedade independente, autônoma e justa, foi censurado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), estreando no Brasil apenas dois anos depois de sua edição no resto do mundo, “Ainda Estou Aqui” foi aclamado e recebeu rasgados elogios do Estado bem antes de ser reconhecido no Golden Globe Awards.

Recomendo, portanto, que aqueles que não tiveram oportunidade, façam uma sessão dupla maratonando esses dois filmes, tendo em mente que as duas produções são execradas no mundo dessa extrema direita absolutamente abjeta do ponto de vista histórico e cultural. Por outro lado, talvez também, para melhor entendimento, seja muito interessante acrescentar à maratona um grande registro do que se passou entre as duas peças. Vale a pena assistir: Democracia em Vertigem

Boa Maratona!

 

Democracia em Vertigem é um documentário brasileiro de 2019 dirigido por Petra Costa, que retrata os bastidores do impeachment da presidente do Brasil Dilma Rousseff; o julgamento de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva e o pleito que elegeu o candidato de direita Jair Bolsonaro.