A propaganda e o caos por Daniel Vaz de Carvalho |
Mesmo antes de 2014 a Rússia foi sujeita a alusões agressivas, desprezo pelos seus direitos de segurança, ser tratada em pé de igualdade pelos países e instituições do ocidente, provocações a que não deveria reagir, pois eram testes à obediência. Para o poder hegemónico a não submissão é agressão, eis o fundamento do que se passa relativamente à China, Rússia, Irão, RPDC, etc.
Para o justificar perante a opinião pública, “especialistas internacionais” tem por obrigação defender e justificar o que quer que o império faça. As suas narrativas não têm qualquer credibilidade: trata-se de um esbracejar inconsequente face à realidade, com opiniões a querer passar por fatos.
A propaganda apresenta a Ucrânia a combater pela democracia e pela independência recuperada em 1991. A Ucrânia foi independente entre 1917 e 1922, quando se integrou na URSS e desde 1990 com a dissolução da URSS, contra a vontade maioritária do povo ucraniano (tal como as outras Repúblicas) quando 70% votou pela não dissolução. Algo que Gorbatchov, obedecendo ao ocidente, ignorou. A partir daqui foi sempre a decair em termos económicos e sociais. A Ucrânia tinha então 50 milhões de habitantes; em 2000, 41 milhões; por um censo deste ano 23 milhões.
“Comentadores” mantêm a absurda mentira de que o ocidente está “a defender a democracia”, apesar de tudo o que se sabe sobre a corrupção do clã de Kiev, repressão, mobilizações forçadas, arbitrariedades dos grupos nazis, proibição de todos os partidos políticos de oposição. Em compensação, dizem que a Rússia é um país totalitário, “repressivo a nível interno e implacável a nível externo”. Um totalitarismo, do qual não apresentam provas concretas, nem dizem que as suas leis repressivas seguem critérios há muito postos em prática nos EUA, nem mencionam que nos EUA há 2,3 milhões de pessoas presas, de longe o líder mundial, e 4,3 milhões em liberdade condicional, além de que em 2022, foram mortas pela polícia 1 183 pessoas.
Mas que “independência” tem a Ucrânia? A de obedecer ao guião posto em prática por Washington em 2014? Quando os partidos pró-russos tinham maioria e o Partido Comunista aumentava a votação. Propaga-se a ideia de que a Ucrânia tem o direito de escolher aliados e fazer parte da NATO. Talvez, se isso fosse uma escolha democrática e sem ingerência estrangeira, mas assumindo as consequências do que resultaria quanto à segurança dos vizinhos.
A Ucrânia não tem independência, nem soberania. Ucrânia nem sequer é um Estado funcional: o ocidente tem a seu cargo 70% das despesas do governo. É um Estado falido cujo futuro foi destruído pelas estratégias do ocidente. Em 1992 a sua dívida externa era nula, graças ao facto de a Rússia assumir os passivos das Repúblicas. Segundo o ex-primeiro-ministro ucraniano Nikolai Azarov a dívida do país pode chegar a 173 mil milhões de dólares no final de 2023.
As estimativas de entregas dos EUA e da UE/NATO à Ucrânia variam entre 150 e 200 bilhões de dólares, só no ano passado. Claro que há quem ganhe com a morte: os fabricantes de armas ocidentais tiveram um recorde de vendas de 400 mil milhões de dólares em 2022, prevendo-se este ano 450 mil milhões.
Centenas, mesmo milhares de milhões de dólares acabam nos bolsos de governantes e altos funcionários de Kiev. Para manter as aparências tem havido demissões por corrupção. Porém, o próprio Zelensky tem participações substanciais (formalmente transferidas para um sócio) em três empresas em paraísos fiscais e comprou moradias de luxo em várias partes do mundo por dezenas de milhões de dólares.
A guerra na Ucrânia perdeu claramente o apelo duma suposta cruzada pela “democracia”. Nos EUA, bandeiras amarelas e azuis desapareceram das janelas e dos carros. Foi errado afirmar que tínhamos (os EUA) algum interesse nacional naquele triste país. O governo orquestrou este fiasco sob todos os aspetos. A Ucrânia foi reduzida a um Estado falido e os americanos começaram a notar que o dinheiro que vai para a liderança neonazi e cleptocrática de Zelensky é dinheiro que falta para a população empobrecida, prestações sociais e infraestruturas.
Camuflando as intenções subjacentes à guerra, produziu-se o dogma de que se trata de uma agressão não provocada. Contudo, muitos antes, experientes analistas (como Paul Craig Roberts, Finniam Cunningam, Chris Hedges, Pablo Escobar, etc) passaram anos alertando que as ações ocidentais iriam provocar uma guerra com a Rússia.
A propaganda baseia-se na “invasão não provocada da Ucrânia". "Por quê? Porque eles sabem perfeitamente que foi provocada", disse Chomsky. O facto é que grandes potências nunca aceitarão ameaças de outras grandes potências nas suas fronteiras. Esse é um ponto-chave para entender os grandes conflitos, não apenas entre os EUA e a Rússia, mas também entre os EUA e a China – porém os EUA são os únicos que acumulam forças militares nas fronteiras dos que definem como seus inimigos.
A propaganda dos “especialistas” vai mais longe: Putin iniciou a guerra contra a Ucrânia por desejo de vingança (!), uma guerra para o regime russo consolidar o poder. Quanto a vingança, só se for por ter parado os crimes do grupos nazis contra a população do Donbass. Dizem que “quer impedir a modernização da Rússia” (!). Sabemos o que significa esta “modernização”: neoliberalismo e domínio das transacionais, a “modernização” das crises, crescentes desigualdades e pobreza. Nada dizem sobre a capacidade técnico-cientifica demonstrada pela força militar russa, nos mísseis hipersónicos, na energia nuclear, na substituição de importações, na forma como as sanções se mostraram ineficazes. Para a propaganda, na Rússia não existe Constituição, eleições, oposição e governos federados é um “regime” unipessoal, de alguém que, aliás, certa propaganda periodicamente diz que já morreu.
Este afastamento da realidade e de objetivos consistentes leva à descredibilização e conflitos de interesses. Nos EUA a maioria não quer continuar a financiar a Ucrânia, tendo a perceção do buraco financeiro que Washington acumula (33,5 bilhões de dólares!). Claro que o império custa dinheiro: só desde o 2001 o custo das guerras, atinge mais de 8,8 milhões de milhões de dólares… Esta situação deu lugar a divergências não só no Congresso, mas também entre a CIA e a Agência de Inteligência de Defesa com reflexos nas políticas relativamente à Ucrânia e à China.
O clã de Kiev tem razões para estar inquieto – e, segundo consta, o chefe aumenta as doses de cocaína – à semelhança dos nazis e fascistas no final da guerra, temendo pelo julgamento do povo, serem responsabilizados pelos crimes cometidos e destruição do país.
A função principal de Zelensky é pedir dinheiro e persuadir países a apoia-lo. Mas a sua viagem a Nova Iorque foi um fracasso: o Congresso ignorou-o; de Biden só obteve promessas vagas; ao discursar na AG da ONU, metade dos delegados abandonou a sala. A entrada para a NATO e UE, não vai além de pensamento oco. Como consolo teve a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, incluindo “socialistas” que foram a Kiev saudar e apoiar um regime que proibiu partidos congéneres, prendeu seus militantes e transformou criminosos nazis em heróis nacionais. Que vergonha – mais uma da social-democracia!
O caos como norma
Incapazes de entenderem as causas do caos que criam, recorrem à criação de inimigos, pois: “a agressão russa poderia estender-se para além da Ucrânia”, apenas uma forma de disfarçar a recusa das propostas de paz da Rússia (novembro 2021, Minsk, março 2022).
Perante o fracasso dos seus objetivos, a propaganda do ocidente assemelha-se à do Reich nazi nos seus últimos tempos. Iludir a opinião publica é o recurso para tentarem salvar-se mantendo o poder. A Rússia desde há ano e meio, mês sim mês não, estava derrotada, ao mesmo tempo que – sem temerem a contradição – apregoavam “armas que vão fazer a diferença”, tal como as V2 dos nazis que os levariam à vitória.
O domínio hegemónico dos EUA desaparece, as sanções impostas a quem se lhe oponha, são vistas é cada vez mais vista como criminosas. Em Havana, 1 300 participantes de 116 países (com a presença de 12 organizações da ONU), aprovaram uma declaração de que consta: a rejeição “de leis e regulamentos com impacto extraterritorial e todas as outras formas de medidas económicas coercivas, incluindo sanções unilaterais contra os países em desenvolvimento”, reiterando “a necessidade urgente de as eliminar imediatamente (…) sublinhamos que as medidas coercivas unilaterais têm impactos negativos e devastadores no gozo dos direitos humanos”.
Perante o fracasso histórico do imperialismo e a sua criminalidade, aumenta a sua histeria. A aproximação entre a Rússia e a RPDC foi tornada um acontecimento sinistro, como se nações vizinhas a milhares de quilómetros dos EUA não pudessem desenvolver relações para o benefício mútuo, ignorando que na Guerra da Coreia em 1953, os bombardeamentos aéreos dos EUA mataram até três milhões de civis.
Para a propaganda valem as “regras” do caos, contudo o próprio Blinken, secretário de Estado, anunciou o fim da sua “ordem mundial”, apregoando-a como “décadas de relativa estabilidade geopolítica” dando lugar à "intensificação da competição com potências autoritárias e revisionistas" (?!), “às ações da Rússia na Ucrânia, a ameaça mais aguda e urgente à ordem internacional". Uma “ordem internacional” e “estabilidade” mantida, desde 2001 apenas, com a morte de 940 000 pessoas além de 3,6 a 3,7 milhões de pessoas indiretamente atribuíveis a esses conflitos.
O caos foi e é o resultado desta “ordem” – um termo adotado pelos fascistas, note-se. A Líbia passou do país mais próspero e avançado da África, a destroçado pelo criminoso ataque da NATO em 2011. O Afeganistão, que se encaminhava para o socialismo, tornou-se um país destruído e sofredor, pelos delírios hegemónicos dos EUA. Tal como o Iraque, os golpes de Estado um pouco por todo o mundo, incluindo a Ucrânia. A Síria acusa na ONU os EUA de perdas diretas e indiretas no seu sector petrolífero superiores a 115 mil milhões de dólares."Ao mesmo tempo que impõem sanções roubam petróleo... Que superioridade moral existe então no ocidente para falar em “potências autoritárias”?
O império espalha o caos como forma de se manter. Quer apoiar a Índia contra a China, mas quer manter a Índia suficientemente desestabilizada manobrando o Paquistão e minorias étnicas. Levou de novo a guerra ao Cáucaso, uma região tranquila com as suas Repúblicas Soviéticas, até que a “perestroika” ao serviço do imperialismo, fez surgir movimentos nacionalistas na Arménia e no Azerbaijão. A “democracia” do prémio Nobel da Paz Gorbachov, conduziu a assassinatos e limpeza étnica de ambos os lados: dezenas de milhares de mortos, um milhão de arménios e meio milhão de azeris forçados a fugir de suas casas.
Caos semelhante ao criado na Jugoslávia, reavivado agora em confrontos étnicos contra sérvios (suspeitos de pró-Rússia) no Kosovo. Na Síria, há um recrudescimento de ataques terroristas. Na Geórgia ameaças de golpe e propaganda anti-russa.
No Paquistão um golpe de Estado destituiu Imran Khan que tinha amplo apoio da população (estes golpes de Estado são dos “bons” e o SG da ONU nada diz). Para estabilizar a situação o Paquistão manteve uma atitude dúbia abstendo-se de votar resoluções anti-russas na ONU. Verifica-se agora que o país alinha com os EUA contra a China e a Rússia. Claro que isto tende a afastar mais a Índia do ocidente. Há a ainda a Indonésia, em que através da NED se prepara uma Revolução Colorida para que os seus oligarcas e vassalos tomem o poder, afastando o país da China.
O império conta com 750 bases militares pelo mundo para impor o seu poder, mas também com a National Endowment for Democracy que financia programas e organizações em todo o mundo, para manipular e influenciar, as “élites” através dos media e instituições de ensino, de forma a prosseguirem políticas auto-destrutivas que servem os interesses de Washington. (Brian Berletic, ex- marine, investigador geopolítico e escritor). A NED afirma operar em mais de 100 países e distribuir mais de 2 000 doações todos os anos, influindo em ONG, grupos da sociedade civil e partidos políticos de todo o espectro ideológico (?!). Como tudo isto custa dinheiro, as consequências são também inflação e crises.
Com a guerra na Ucrânia o mundo tomou consciência que o ocidente é apenas um terço do mundo e os restantes três quartos estão fartos da sua exploração económica e uso da força. Bem pode a propaganda disfarçar o movimento dos BRICS e o fiasco para império da declaração dos G 20, continuando com a ilusão do “isolamento” da Rússia, que aprofunda relações com os países de África, América Latina, Médio Oriente, Ásia. Também a Líbia escapa à NATO: Khalifa Haftar, líder supremo das Forças Armadas Árabes da Líbia (LAAF), reuniu-se em Moscovo com Putin e Sergei Shoigu ministro da Defesa russo. Quanto à China (sem que na UE se dê por isso...) aprofunda relações com o Congo e reforça os laços energéticos, comerciais e militares com a Arábia Saudita, realizando um segundo exercício naval conjunto.
Lavrov no CS da ONU depois de discurso devastador para as políticas ocidente a propósito de acordos violados e obrigações não cumpridas, afirmou que o ocidente é um "império de mentiras". Um império que está de facto a desmoronar-se, caso contrário Lavrov não falava – impunemente – assim.
A França perde status de grande potência, enquanto a África se volta para os BRICS, incluindo a Rússia e a China. No Níger, o governo exigiu que diplomatas e tropas francesas deixassem o pais. Em vários países da região do Sahel, há o desejo comum e amplamente apoiado de população de acabar com o neocolonialismo francês, de que é exemplo o discurso do representante do Burquina Fasso na ONU.
A guerra contra a Rússia, militar e financeira, através da Ucrânia, para submeter aquele país conduziu o ocidente a um revés dramático, em que os recursos energéticos do Médio Oriente e as matérias-primas da África estão a escapar ao controlo do ocidente. Mas próprias elites que promovem a propaganda são incapazes de reconhecer e lidar com as suas opções erradas, avançando para novos conflitos.
O partido Democrático tornou-se o Partido do Caos, que se revela à medida que fatos são divulgados. Milhões de dólares foram para os cofres de filhos e netos de Biden, sem serviços prestados na Ucrânia ou através das múltiplas empresas de fachada de Hunter Biden.
A guerra e as crises são para continuar: tornam-se “norma” no ocidente. As previsões de derrotar a Rússia, com “armas maravilha” da NATO que diariamente ardem e com elas milhões de dólares/euros, mostraram-se totalmente erradas. Como diz Alastair Crooke o ocidente ignora a realidade em nome do controlo da "narrativa", finge ignorar as implicações da expansão dos BRICS, além de dezenas de Estados prontos para se juntarem a eles. Os BRICS são vistos como forma dos povos livrarem-se do neocolonialismo e, com a sua expansão, estabeleceram já um polo de influência e poder global capaz de eclipsar o do G7.
A propalada unidade na UE e NATO, também se esvai. Há acusações de erros, massacres desnecessários, desperdício de recursos, dificuldades de entendimento. Os propagandistas já não falam em unidade mas “em gerirem as diferenças”! O vento da mudança sopra nos EUA e na UE/NATO, mal será que o proletariado não seja esclarecido, se deixe iludir pelos partidos deste sistema e não aja no sentido de verdadeiras mudanças políticas.
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