Amazonas, Maior Rio do Mundo foi roubado do diretor original, Silvino Santos, logo após sua realização, em 1918. Pouco mais de uma década depois, havia desaparecido completamente. O filme ressurgiu no início deste ano em um arquivo tcheco e foi identificado por especialistas na Itália e no Brasil.
“É basicamente um milagre”, disse Sávio Stoco, o especialista brasileiro em Santos que confirmou a descoberta. “Não tínhamos a menor esperança de que esse trabalho um dia fosse encontrado.”
Diretor de fotografia português que passou grande parte da vida na Amazônia, Santos foi um dos principais cineastas de não-ficção do cinema brasileiro do início do século XX. Ele é mais lembrado por seu documentário No Paiz das Amazonas, de 1922, que os especialistas leem como uma tentativa de remake de sua produção perdida.
O filme de 1918 é considerado uma joia rara da cinematografia brasileira por sua duração, temática e qualidade de composição. Apresentando imagens fascinantes das diversas paisagens e habitantes da floresta amazônica – incluindo algumas das primeiras imagens em movimento conhecidas do povo indígena Witoto – o longa-metragem “mistura diferentes dimensões do gênero documentário em uma narrativa muito agradável para o espectador”, explica Stoco, professor de artes visuais da Universidade Federal do Pará, em Belém.
Santos leva seu público a uma viagem extremamente detalhada pela Amazônia, alternando close-ups de jacarés, onças e flora tropical com imagens de rituais indígenas e sequências mais longas mostrando as indústrias extrativas da região: borracha, castanha-do-pará, madeira, pesca, até mesmo as penas de garça que eram um elemento básico da moda feminina da época.O documentário perdido ganhou status mítico no Brasil com a história de seu desaparecimento, registrada por Santos em um livro de memórias inédito escrito pouco antes de sua morte, em 1969.
Rodado ao longo de três anos na Amazônia peruana e brasileira, o filme desapareceu antes de poder ser exibido no Brasil e levou à falência sua produtora sediada em Manaus. O negativo foi roubado por um sócio de Santos, Propércio de Mello Saraiva, que negociava a venda internacional do documentário.
Em vez disso, Saraiva embolsou a impressão, alegou ser o diretor e assinou de forma fraudulenta um acordo com a Gaumont para distribuir o filme na Inglaterra, onde foi renomeado como Maravilhas da Amazônia. O documentário circulou com grande aclamação na Europa durante alguns anos, mas em 1931 todos os seus vestígios tinham desaparecido.
“Ainda está na órbita dos planetas”, escreveu Santos em suas memórias.
No entanto, uma cópia negativa de uma impressão mais antiga e agora desintegrada em nitrato do filme sobreviveu no arquivo Národní filmový, em Praga, onde foi catalogado erroneamente como uma produção norte-americana por volta de 1925. Duvidando de sua rotulagem, um curador enviou uma cópia antes deste ano. ano para Jay Weissberg, especialista em cinema mudo.
Stoco então confirmou o palpite de Weissberg de que as filmagens da Amazon eram “o Santo Graal dos documentários [silenciosos] brasileiros”.
Outras exibições estão planejadas ainda este ano na República Tcheca e no Brasil, embora a exibição do documentário hoje levante questões sobre o olhar colonialista de Santos.
“É claro que é um filme marcado pela perspectiva da época e pelos seus financiadores, que eram membros da elite comercial de Manaus”, diz Stoco.
Além do seu foco descarado na divulgação do potencial económico da floresta, o filme exotiza os povos indígenas sem reconhecer os horrores que enfrentaram.
O boom da borracha do início do século XX escravizou e exterminou comunidades indígenas, incluindo os Witoto, que foram forçados a sair do isolamento na sua Colômbia natal, com algumas comunidades a fugir para o Peru e o Brasil. No início de sua carreira, Santos foi financiado por um famoso barão da borracha peruano.
“[Ele] não podia falar sobre as atrocidades que estavam acontecendo”, diz Stoco, argumentando que o filme continua importante precisamente por sua perspectiva da Amazônia como “uma região a ser explorada” – uma visão que continua a impulsionar a devastação. da floresta tropical e de suas populações nativas hoje.
Nenhum comentário:
Postar um comentário