segunda-feira, 15 de julho de 2024

Deter a Marcha do Fascismo na Europa exige uma agenda económica alternativa

Halting the March of Fascism in Europe
A chegada ao poder de governos liderados por fascistas é hoje uma realidade ou uma ameaça em grande parte do mundo. Atualmente, na Europa, há vários países onde os fascistas lideram governos; a França esteve prestes a juntar-se a esta lista, e nesse caso teria sido a segunda maior potência europeia, depois da Itália, a ter um governo fascista. 
Se isto tivesse acontecido, teria sido um acontecimento de significado histórico, pois a França teria então um governo fascista pela primeira vez depois do governo de Vichy, sob a direção do Marechal Petain, que notoriamente colaborara com Hitler.
Para um país que travou uma heróica luta guerrilheira contra os ocupantes nazis e que sempre teve um movimento de esquerda e sindical muito forte, isto teria sido uma reviravolta absolutamente trágica. Não só isso foi travado, como a Nova Frente Popular saiu vencedora na segunda e última volta das eleições francesas.

A própria emergência do fascismo não é de modo algum inexplicável. O fascismo assume um papel central num período de crise do capitalismo, quando o grande capital faz uma aliança com elementos fascistas para afastar qualquer ameaça à sua hegemonia, promovendo o discurso fascista de ódio contra alguma minoria infeliz. 
Foi o que aconteceu durante a Grande Depressão dos anos 30, e é o que está a acontecer agora que o capitalismo neoliberal entrou num período prolongado de estagnação e crise. Só para citar um número, o rendimento real bruto disponível per capita (ou seja, o rendimento das famílias depois de ter em conta os impostos e subsídios do Estado) no Espaço Europeu (composto por 19 países) em 2023 era apenas 6,4 por cento superior ao seu nível em 2008. 

Trata-se, por si só, de um aumento insignificante. Mas há dois pontos adicionais que devem ser aqui assinalados: em primeiro lugar, o termo "famílias" inclui tanto as famílias ricas como as pobres, de modo que, dado o aumento da desigualdade de rendimentos que ocorreu durante este período, o rendimento real disponível per capita da maior parte da população dificilmente teria aumentado.
Em segundo lugar, a depreciação do stock de capital detido por pequenos capitalistas e pequenos produtores não é deduzida deste valor do rendimento bruto das famílias. O rácio entre essa depreciação e o rendimento bruto das famílias para este grupo é provavelmente mais elevado hoje do que em 2008 (uma vez que o rácio capital-produto é hoje mais elevado devido à reduzida utilização da capacidade), pelo que o rendimento líquido disponível das famílias per capita para o grosso da população teria aumentado muito pouco também por esta razão.
A cólera básica entre as pessoas que o fascismo explora surge por causa do esmagamento dos seus padrões de vida provocado pela estagnação económica sob o capitalismo neoliberal.
No entanto, a aliança entre o grande capital e os arrivistas fascistas ocorre de formas diversas. Para explorar a cólera das pessoas, os fascistas começam muitas vezes por tomar uma posição contra o grande capital, como fez, por exemplo, Hitler. No entanto, mesmo quando o fazem, eles habitualmente são ajudados por alguns monopolistas de forma clandestina, se não mesmo abertamente. Mas quando chegam ao poder, expõem-se completamente como parceiros do grande capital e chegam mesmo a efetuar um expurgo sangrento contra os seus próprios apoiantes que se mantêm fiéis aos antigos slogans anti-monopolistas.

A Índia é uma exceção: os elementos fascistas indianos, mesmo quando espalhavam o ódio contra uma minoria religiosa, não escondiam a sua proximidade com o grande capital, especialmente com alguns novos capitalistas monopolistas. Mas os fascistas franceses haviam começado com ruídos anti-monopolistas. Marine Le Pen, a líder fascista francesa, declarou-se tão contra o neoliberalismo que, quando o Syriza, na Grécia, chegou ao poder prometendo uma linha de ação diferente da dos governos anteriores, acabando por sucumbir às pressões do capital financeiro, ela chamou isto de "traição". Mas, apesar desta posição aparentemente oposicionista, o seu partido era totalmente apoiado pelo barão dos media e investidor multimilionário francês Vincent Bollore; e, na véspera das eleições francesas, o candidato a primeiro-ministro do seu partido, Jordan Bardella, havia começado a afastar-se das suas anteriores posições professadas, que diferiam das do capital financeiro, a fim de ser mais aceitável para o mesmo.

Foi também o que aconteceu em Itália. Giorgia Meloni, a líder dos fascistas, fingiu ter um programa diferente do de Mario Draghi, o seu antecessor, que tinha uma agenda neoliberal direta. Mas, ao chegar ao poder, Meloni voltou atrás nas suas promessas anteriores e tornou-se uma fiel aliada do capital financeiro.

Um recuo exatamente semelhante ocorre entre os fascistas europeus na questão da guerra da Ucrânia. A classe trabalhadora europeia opõe-se claramente à guerra e está magoada com a inflação que a guerra gerou devido ao aumento dos preços dos combustíveis resultante das sanções contra a Rússia; quer um regresso à paz. Para obter o apoio dos trabalhadores, os fascistas inicialmente exprimem reservas em relação à guerra; mas assim que chegam ao poder, seguem a linha do imperialismo americano, exatamente como faziam os partidos burgueses liberais que substituíram. Foi o que Meloni fez; e foi também o que Bardella estava a fazer em França, pouco antes das eleições, recuando na generalidade, de uma posição declaradamente a favor da paz.

Em suma, o fascismo, que dissemina o ódio contra um grupo minoritário e divide a classe trabalhadora, também comete uma fraude contra a classe trabalhadora. A sua pretensão de ser diferente das formações políticas burguesas liberais, quer em matéria de política económica quer em relação à guerra na Ucrânia, não passa de uma farsa. Na promoção da islamofobia, na promoção da hostilidade para com os imigrantes, está certamente na extrema-direita em comparação com as formações liberais, mas em questões de paz e de guerra, e na política económica, não é absolutamente diferente das formações liberais, embora finja sê-lo para obter o favor da classe trabalhadora.

A margem para tal pretensão surge porque grandes segmentos da esquerda abdicam da sua responsabilidade de representar os interesses da classe trabalhadora e arrastam-se atrás da burguesia. Na Alemanha, onde a classe trabalhadora é duramente atingida pela inflação devido às sanções ocidentais contra a Rússia e se opõe à guerra na Ucrânia, não são apenas os sociais-democratas, mas também partidos da esquerda que se alinharam atrás do imperialismo norte-americano. Assim, não é de surpreender que a dissidência da esquerda liderada por Sahra Wagenknecht, que é a favor da paz, esteja a reunir mais apoio. Da mesma forma, segmentos significativos da esquerda na Europa tornaram-se adeptos do neoliberalismo e isto ajuda os fascistas no seu projeto de enganar a classe trabalhadora. O fascismo europeu prospera, portanto, devido à capitulação de segmentos importantes da esquerda.

Mas é aqui que a França foi diferente. A esquerda não só se uniu para formar uma Nova Frente Popular, como conseguiu que a Frente adoptasse um programa económico que foi claramente além do neoliberalismo.
O crescimento dos fascistas franceses fora facilitado anteriormente pelo facto de o desejo comum de manter os fascistas longe do poder não ter sido acompanhado por qualquer agenda económica alternativa. Este facto foi explorado por Macron para se manter no poder e prosseguir uma agenda neoliberal, embora esta fosse cada vez mais detestada pelos trabalhadores. À medida que a impopularidade de Macron crescia, os fascistas tornavam-se cada vez mais aceitáveis para o povo como a principal voz a falar contra as detestáveis políticas económicas. Esta dialética foi agora rompida, o que destaca um ponto importante.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o único programa antifascista pertinente era acabar com a guerra; não era necessária uma agenda económica alternativa. Uma frente antifascista não programática, que foi eficaz durante a guerra, torna-se contraproducente na conjuntura atual, quando não estamos em meio de uma guerra total. Uma mera reunião de forças antifascistas que não estabeleça uma agenda para melhorar a vida do povo, que aceite completamente o neoliberalismo e as guerras locais promovidas pelo imperialismo, tem o efeito paradoxal de promover as possibilidades dos fascistas ao longo do tempo, não importa quão eficaz que possa ser a muito curto prazo.


É claro que a capitulação de segmentos da esquerda europeia já vem ocorrendo há muito, desde o tempo em que uma parte significativa dela concordou com o bombardeio da Iugoslávia. Esta posição caudatária por trás do imperialismo amadureceu agora no apoio ao projeto imperialista na Ucrânia e também no apoio ao neoliberalismo, o que permite aos fascistas apresentarem-se como arautos da paz e da libertação, pelo menos até que a sua aliança com o capital monopolista se torne evidente. A França demonstrou que a adoção de uma agenda pela esquerda que transcenda o neoliberalismo é eficaz para cortar o terreno sob os pés dos fascistas.


Prabhat Patnaik é um economista e comentarista político indiano. 




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