quinta-feira, 1 de setembro de 2022

O esforço dos militares brasileiros na tragédia do 11 de setembro


O embaixador chileno no Brasil, Raúl Rettig, enviou um telegrama alarmante em março de 1971 ao seu Ministério das Relações Exteriores intitulado “
Exército brasileiro possivelmente realizando estudos sobre guerrilhas sendo introduzidas no Chile”. 
Várias fontes informaram à Embaixada que o regime militar brasileiro estava avaliando como instigar uma insurreição para derrubar o governo Allende. Os militares estabeleceram uma “sala de guerra” com mapas e modelos da cordilheira andina ao longo da fronteira chilena para planejar operações de infiltração, afirmou o telegrama, classificado como “estritamente confidencial”. Segundo o relatório de Rettig, “o Exército brasileiro aparentemente enviou ao Chile vários agentes secretos que teriam entrado no país como turistas, com a intenção de obter mais informações sobre possíveis regiões onde um movimento guerrilheiro poderia operar”. Ainda não havia data definida, disse um informante, para iniciar esse “movimento armado”.

O revelador cabo de Rettig é um das centenas de documentos obtidos dos arquivos brasileiros, chilenos e norte-americanos pelo repórter investigativo Roberto Simon para seu novo livro, "Brazil against Democracy: the Dictatorship, the Coup in Chile and the Cold War in South America". Publicado no Brasil em 2021, o livro expõe o papel clandestino que o regime militar brasileiro desempenhou no golpe de 11 de setembro de 1973, que levou o general Augusto Pinochet ao poder, bem como a contribuição brasileira ao aparato repressivo do Chile durante seus 17 anos de ditadura.


"O livro mostra como a ditadura militar brasileira trabalhou ativamente para minar a democracia do Chile durante os anos Allende e, depois de 1973, para ajudar a junta chilena a consolidar seu poder", observou Simon em entrevista ao Arquivo de Segurança Nacional. "O Brasil forneceu apoio direto para e um modelo para a ditadura de Pinochet."

Salvador Allende e Edward Korry em 1971

Além do plano do Brasil de fomentar uma insurreição anti-Allende no Chile, o livro contém inúmeras outras revelações históricas, entre elas:

  • Poucos dias após a histórica eleição de Salvador Allende em 4 de setembro de 1970, o embaixador dos EUA no Chile, Edward Korry, se reuniu com o embaixador do Brasil em Santiago, Antonio Cândido da Câmara Canto, e compartilhou detalhes dos esforços iniciais dos EUA para bloquear a posse de Allende. Por ordem da Casa Branca, disse Korry, a embaixada estava passando informações hostis sobre Allende aos comandantes militares chilenos e ameaçando cortar a ajuda econômica e os créditos se ele assumisse a presidência do Chile.
  • Richard Nixon e Emilio G. Médici em 1971

  • O relato do embaixador Câmara Canto sobre o encontro foi considerado tão importante no Brasil que o chanceler Mario Gibson Barboza o resumiu em relatório ao presidente do regime militar, general Emílio Garrastazu Médici.
  • Os militares brasileiros estabeleceram comunicações secundárias com oficiais militares chilenos que se opunham a Allende e até mesmo organizaram secretamente que alguns deles viessem ao Brasil para discussões sobre planos de golpe.
  • Agentes brasileiros estabeleceram laços com a organização pró-terrorista Patria y Libertad no Chile. Após uma tentativa fracassada de golpe em junho de 1973, o Brasil forneceu proteção e asilo aos comandantes do Pátria y Libertad.

Pablo Grez passa revista os militantes de Patria y Libertad

  • O Brasil obteve informações sobre os primeiros planos de golpe, identificando oficiais militares que se preparavam para derrubar Allende. Em uma reunião realizada na base aérea de El Bosque em 2 de agosto de 1973, oficiais chilenos avaliaram os elementos do golpe de 1964 no Brasil para ver o que poderia ser útil para seus planos de assumir o poder.
  • Nos dias que se seguiram ao golpe militar de 11 de setembro de 1973, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil auxiliou o esforço diplomático da nova junta chilena para apresentar o golpe da maneira mais positiva. O livro traz novos detalhes sobre o esforço do Brasil para ser o primeiro país a reconhecer oficialmente o novo regime militar do Chile. Autoridades brasileiras também ajudaram a redigir alguns dos discursos iniciais dos representantes de Pinochet nas Nações Unidas para justificar o golpe sangrento na Assembleia Geral da ONU. O Brasil também derramou considerável ajuda econômica e créditos financeiros ao Chile após o golpe, totalizando mais de US$ 1,2 bilhão em dólares de hoje.

  • O Brasil enviou uma equipe de agentes de inteligência a Santiago para participar dos interrogatórios de prisioneiros no Estádio Nacional, que se tornou um centro de detenção em massa, tortura e execução após o golpe. Segundo o livro, a missão secreta foi liderada pelo coronel Sebastião Ramos de Castro, do Serviço Nacional de Informações (SNI).

  • O Brasil treinou dezenas de oficiais e agentes da temida polícia secreta chilena, DINA, entre eles agentes que participaram de missões internacionais de assassinato, incluindo o carro-bomba do ex-embaixador Orlando Letelier e sua colega Ronni Karpen Moffitt, em Washington D.C. Altos oficiais militares também passou um tempo considerável no Brasil, entre eles Humberto Gordon, que estava em Brasília como "adido militar" em 1974 e se tornou chefe da agência de polícia secreta de Pinochet, a Central Nacional de Informaciones (CNI).
Orlando Letelier e Ronni Karpen Moffitt

  • Com base nos registros de inteligência dos EUA desclassificados em 2019, o livro apresenta uma descrição mais detalhada do papel do Brasil na colaboração das forças secretas do Cone Sul conhecida como Operação Condor. O Brasil, de acordo com um documento da CIA, tentou “controlar” as missões da Condor, resistindo aos esforços do Chile, Uruguai e Argentina de se engajar em operações de assassinato seletivo fora do Cone Sul, e preferindo se engajar em uma série de operações bilaterais de rendição para sequestrar e desaparecer adversários de esquerda na região. De acordo com uma análise de inteligência do Departamento de Estado de 1977, o Brasil – junto com seus aliados menores, Paraguai e Bolívia – estava “(agindo) como um amortecedor na Condor”, e as autoridades brasileiras pararam de participar das reuniões da Condor.


O livro destaca uma cena dramática em dezembro de 1971, quando o chefe do regime militar brasileiro, general Emílio Garrastazu Médici, veio a Washington e se encontrou em particular com o presidente Richard Nixon na Casa Branca. Os dois líderes discutiram abertamente os esforços para depor Allende. Médici disse a Nixon que Allende seria deposto “pelos mesmos motivos que Goulart foi deposto no Brasil” e “deixou claro que o Brasil está trabalhando para esse fim”.

Nixon respondeu “que é muito importante que o Brasil e os Estados Unidos trabalhem de perto nesse campo” e ofereceu “ajuda discreta” e dinheiro para as operações brasileiras contra o governo Allende. Nixon deixou claro que o Brasil poderia ajudar os EUA a derrotar Allende e outros governos e movimentos de esquerda em toda a América Latina e disse que “esperava que pudéssemos cooperar de perto, pois havia muitas coisas que o Brasil como país sul-americano poderia fazer que os EUA não podiam.


A famosa reunião do Salão Oval Nixon-Médici foi gravada em um memorando de conversa ultra-secreto da Casa Branca que o Arquivo de Segurança Nacional obteve e divulgou pela primeira vez em 2009; o Arquivo também postou resumos de inteligência da CIA da reação à reunião de alguns militares brasileiros, incluindo um que acreditava que "os Estados Unidos obviamente querem que o Brasil 'faça o trabalho sujo'  " na América do Sul.

Mas a abundância de evidências documentais que Roberto Simon reuniu meticulosamente para O Brasil Contra A Democracia revela que o Brasil fez seu próprio “trabalho sujo” no Chile – assim como no Uruguai, Bolívia e outras partes do Cone Sul. Embora o regime militar possa ter coordenado e colaborado com o governo Nixon, a ditadura militar brasileira agiu para sua própria preservação geopolítica (Eles estavam com medo da consequência de desobedecer seu mestre), e não a mando de Washington.

 “A imagem do regime militar brasileiro como 'marionete de Washington', totalmente alinhado com a superpotência regional, é um mito que relega o Brasil a um mero papel subsidiário na região”, afirma Simon em sua introdução. “O livro demonstra que o oposto era verdadeiro: a ditadura brasileira tinha suas próprias motivações – estratégicas, ideológicas, econômicas e outras – para intervir no Chile.”

De fato, o livro representa uma publicação divisora de águas para a historiografia da derrubada da democracia e do advento da ditadura no Chile – uma historiografia que, até agora, se concentrou quase exclusivamente no papel da intervenção secreta dos EUA no golpe militar de 11 de setembro de 1973. “Este livro é um divisor de águas para a narrativa histórica sobre a intervenção imperial no Chile”, segundo Peter Kornbluh, que dirige os projetos de documentação do Chile e do Brasil no Arquivo. “Ele fornece uma compreensão muito mais completa da história das violações estrangeiras da soberania do Chile e sugere que há mais a ser aprendido.

RECOMENDAÇÃO DO SBP

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