Como variantes potencialmente mais perigosas do coronavírus se espalharam pelo mundo, cientistas e médicos correram para descobrir o quão bem as vacinas COVID-19 disponíveis protegem contra as cepas mutantes. Os resultados preliminares de um grande estudo com profissionais de saúde agora sugerem que uma dose de CoronaVac, uma vacina desenvolvida por uma empresa chinesa, ainda é cerca de 50% eficaz contra o COVID-19 sintomático em uma cidade brasileira onde mais de três quartos dos novos casos são causada pela variante altamente transmissível conhecida como P.1. por falta de compromisso do governo brasileiro no combate à pandemia.
Essa proteção no mundo real é quase o mesmo nível que os ensaios clínicos observaram com duas doses de CoronaVac contra o coronavírus pandêmico padrão ou "tipo selvagem" no país, sugerindo que as mutações da variante não aumentaram a capacidade do SARS-CoV-2 de escapar da vacina evocada respostas imunológicas.“É uma notícia muito boa e apóia a continuidade do uso da vacina no Brasil e em outros países com circulação da mesma variante”, diz Julio Croda, médico e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, que liderou o estudo. A proteção da vacina pode ser ainda melhor após a segunda dose, acrescenta ele, observando que o estudo está em andamento.
Embora a eficácia de 50% esteja muito abaixo da proteção superior a 90% do mundo real das vacinas COVID-19 feitas com RNA mensageiro (mRNA), ainda pode ser bom o suficiente para conter a propagação da doença no Brasil; vacinas com esse nível de eficácia em um ensaio clínico qualificam-se para uso de emergência em muitos lugares e atendem ao limite da Organização Mundial da Saúde também.
Também não está claro o quão bem as vacinas de mRNA protegem contra a variante P.1; seus testes clínicos aconteceram antes de circular ou em locais com pouco da variante. Além disso, o CoronaVac provavelmente oferece uma proteção muito maior contra doenças graves, hospitalização e morte do que contra casos mais leves de COVID-19. Isso foi observado em ensaios de eficácia de duas doses conduzidos no Brasil e em outros países e é típico das vacinas COVID-19. Mas o novo estudo ainda não coletou casos graves o suficiente para calcular a eficácia, diz Croda.
Os resultados preliminares do estudo, ainda não revisados por pares, foram postados em um servidor de pré-impressão ontem e são os primeiros a avaliar a eficácia da vacina feita pela Sinovac Biotech em uma área inundada com a variante P.1. CoronaVac contém cópias inteiras inativadas de SARS-CoV-2, em contraste com muitas outras vacinas COVID-19, incluindo as vacinas de mRNA, que apenas apresentam a proteína spike do vírus ao sistema imunológico.
A origem da variante P.1 foi rastreada até o Brasil em janeiro, e a cepa se espalhou rapidamente para o resto do mundo. Estudos de laboratório que avaliam se os anticorpos induzidos pela vacina podem neutralizar a infectividade do SARS-CoV-2 levantaram preocupações de que a variante poderia escapar da proteção imunológica conferida pelas vacinas. É provável que o vírus mutado esteja causando um ressurgimento recente do COVID-19 no Brasil - o país tem atualmente mais de 70.000 novos casos por dia. COVID-19 já matou mais de 350.000 brasileiros.
O estudo CoronaVac envolveu dados médicos de 67.718 profissionais de saúde de Manaus, uma cidade da região amazônica que é o epicentro da variante P.1. O vírus mutante agora responde por 75% de todos os resultados de testes positivos na cidade, onde o sistema de saúde está em colapso por causa do COVID-19.
Para estimar a eficácia do CoronaVac, os pesquisadores se concentraram em 2.656 profissionais de saúde que fizeram testes de reação em cadeia da polimerase (PCR) para infecções por SARS-CoV-2 a partir de janeiro, com o lançamento inicial da vacina, até a semana passada. Os cientistas identificaram 786 pessoas com sintomas aparentes de COVID-19, que eles dividiram em dois grupos de 393 cada: aqueles com teste positivo e negativo para o vírus. Em seguida, os pesquisadores verificaram a proporção de pessoas vacinadas e não vacinadas em ambos os grupos. No grupo positivo, 18,6% foram vacinados; no grupo negativo, a proporção foi de 24,4%. Usando as pessoas não vacinadas como referência, os pesquisadores calcularam o risco de infecção pelo SARS-CoV-2 14 dias após a primeira dose.
A eficácia de 49,6% no mundo real é semelhante à eficácia da vacina de 50,34% contra o COVID-19 sintomático após ambas as doses, encontrada em um ensaio clínico de fase 3 conduzido no Brasil pelo Instituto Butantan, um instituto de pesquisa estatal e vacinador. “Não é por acaso”, diz o epidemiologista Ricardo Palácios, que fez os testes de vacina na instituição, que agora produz o CoronaVac em convênio com a Sinovac. “Esta é uma confirmação independente de que a vacina é eficiente em um cenário de uma nova variante.”
O epidemiologista Eric Feigl-Ding da Federação de Cientistas Americanos, no entanto, adverte que o novo estudo não sequenciou o SARS-CoV-2 nas pessoas com testes de PCR positivos para garantir que suas infecções fossem causadas pela variante P.1. A conclusão dos autores de que a vacina protege contra a variante se baseia no pressuposto de que ela constitui a maioria dos casos positivos, observa ele.
Por outro lado, diz Feigl-Ding, medir a eficácia da vacina no Brasil pode produzir resultados artificialmente baixos porque há um alto risco de que as pessoas tenham alguma imunidade devido ao contato anterior com o vírus. “Esta é uma propriedade natural de fazer um teste em uma população altamente infectada anteriormente”, diz ele. Isso também poderia explicar porque o ensaio clínico CoronaVac no Brasil mostrou números de eficácia mais baixos (50%) do que em outros países, como Turquia (83,5%) e Indonésia (65%).
O CoronaVac pode ser melhor na população em geral, já que os dados do novo ensaio vêm de profissionais de saúde altamente expostos ao vírus, aponta o imunopatologista Bruno Filardi, do Instituto do Câncer do Brasil. “Provavelmente a eficácia será maior do que o estudo preliminar está mostrando”, diz ele. Além do Brasil, o CoronaVac foi autorizado e usado na China, Chile, Bolívia, México, Turquia e Indonésia.
Croda e seus colegas continuarão a analisar a eficácia de várias vacinas COVID-19 contra P.1 e outras variantes com grupos maiores de pessoas. Nas próximas 2 semanas, eles planejam examinar os dados de São Paulo, onde mais de 7 milhões de pessoas foram vacinadas com a vacina CoronaVac ou AstraZeneca. Esse trabalho é de alta prioridade, de acordo com o especialista em doenças infecciosas Jason Andrews da Universidade de Stanford, que trabalha com a equipe de pesquisa brasileira e é coautor no preprint. “Será fundamental detectar quando as vacinas não são mais eficazes contra as variantes emergentes”, diz ele. "O que é uma questão de quando, e não se."
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