segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Promotor bota o dedo na ferida: "... Todo canalha é Bolsonarista!"


Por Paulo Brondi -  Promotor do Ministério Público de Goiás

CAFAJESTES DO BRASIL! UNI-VOS!

Bolsonaro é um cafajeste. Não há outro adjetivo que se lhe ajuste melhor. Cafajestes são também seus filhos, decrépitos e ignorantes. 
Cafajeste é também a maioria que o rodeia. Porém, não é só. E algo que se constata é pior. Fossem esses os únicos cafajestes, o problema seria menor. Mas, quantos outros cafajestes não há neste país que veem em Bolsonaro sua imagem e semelhança?

Aquele tio idiota do churrasco, aquele vizinho pilantra, o amigo moralista e picareta, o companheiro de trabalho sem-vergonha… 
Bolsonaro, e não era segredo pra ninguém, reflete à perfeição aquele lado mequetrefe da sociedade. Sua eleição tirou do armário as criaturas mais escrotas, habitués do esgoto, que comumente rastejam às ocultas, longe dos olhos das gentes.
Bolsonaro não é o criador, é tão apenas a criatura dessa escrotidão, que hoje representa não pela força, não pelo golpe, mas, pasmem, pelo voto direto. Não é, portanto, um sátrapa, no sentido primeiro do termo.
Em 2018 o embate final não foi entre dois lados da mesma moeda. Foi, sim, entre civilização e barbárie. A barbárie venceu. 57 milhões de brasileiros a colocaram na banqueta do poder.
Elementar, pois, a lição de Marx, sempre atual: “não basta dizer que sua nação foi surpreendida. Não se perdoa a uma nação o momento de desatenção em que o primeiro aventureiro conseguiu violentá-la”.
Muitos se arrependeram, é verdade. No entanto, é mais verdadeiro que a grande maioria desse eleitorado ainda vibra a cada frase estúpida, cretina e vagabunda do imbecil-mor.
Bolsonaro não é “avis rara” da canalhice.
Como ele, há toneladas Brasil afora.
A claque bolsonarista, à semelhança dos “dezembristas” de Luís Bonaparte, é aquela trupe de “lazzaroni”, muitos socialmente desajustados, aquela “coterie” que aplaude os vitupérios, as estultices do seu “mito”. Gente da elite, da classe média, do lumpemproletariado.
Autodenominam-se “politicamente incorretos”. Nada. É só engenharia gramatical para “gourmetizar” o cretino.
Jair Messias é um “macho” de meia tigela. É frágil, quebradiço, fugidio. Nada tem em si de masculino. É um afetado inseguro de si próprio. E, como ele, há também outras toneladas por aí.
O bolsonarismo reuniu diante de si um apanhado de fracassados, de marginais, de seres vazios de espírito, uma patuléia cuja existência carecia até então de algum significado útil. Uma gentalha ressentida, apodrecida, sem voz, que encontrou, agora, seu representante perfeito.

O bolsonarismo ousou voar alto, mas o tombo poderá ser infinitamente mais doloroso, cedo ou tarde.

Nem todo bolsonarista é canalha,
mas todo canalha é bolsonarista.
Jair Messias Bolsonaro é a parte podre de um país adoecido.

Feliz 2021

Podcast com o Prof. Ivan Paganotti 
Os impactos da desinformação no jornalismo e nas redes sociais.

sábado, 26 de dezembro de 2020

10 anos da publicação de “Collateral Murder” pelo WikiLeaks

Mais de dez anos depois da publicação pelo WikiLeaks dos arquivos da guerra do Afeganistão, uma vasta coleção de documentos militares dos EUA vazados que ofereceu uma visão inédita da criminalidade de uma guerra que se tornou a mais longa da história estadunidense, os crimes nos EUA são ainda mantidos em segredo.

Os documentos foram divulgados, com comentários, análises e material contextual, em parceria com o New York TimesGuardian e Der Spiegel, cerca de três meses depois que o WikiLeaks publicou “Collateral Murder”, o célebre vídeo mostrando um massacre de civis, incluindo dois jornalistas da Reuters, realizado pelo exército dos EUA em 2007 no Iraque.

Ambas as revelações tiveram um impacto imenso na consciência popular, fortalecendo e aprofundando o enorme sentimento antiguerra expresso pela primeira vez nos enormes protestos internacionais contra a invasão do Iraque em 2003.

É significativo que esse movimento foi suprimido por grupos de pseudo-esquerda da classe média alta após as revelações de 2010 do WikiLeaks. Esses grupos estavam cada vez mais abandonando a oposição à guerra imperialista depois de terem apoiado a eleição de 2008 de Barack Obama, ao mesmo tempo que se alinhavam com outros partidos militaristas da elite dominante, como o Partido Trabalhista na Austrália.

Os arquivos da guerra do Afeganistão expuseram particularmente as alegações de inúmeros especialistas liberais, que defenderam que a ocupação daquele país era uma “boa guerra”, supostamente travada contra o terrorismo, para levar a democracia ao Afeganistão e proteger os direitos das mulheres. Eles contrastaram essa guerra com a operação “fracassada” no Iraque.


Isso se encaixou com a agenda da nova administração dos EUA. A hipócrita postura antiguerra de Obama durante as eleições de 2008 tinha sido acompanhada por uma escalada militar maciça no Afeganistão.

A construção desse mito foi facilitada pela supressão de qualquer informação sobre a situação real da guerra pelos EUA, por seus aliados e por uma mídia corporativa condescendente. O WikiLeaks levantou o véu sobre as mentiras, revelando uma ocupação neocolonial com o objetivo de saquear os recursos naturais e garantir o controle dessa importante região geoestratégica da Ásia Central.

O WikiLeaks revelou assassinatos em massa de civis, oposição popular generalizada e desmoralização dentro das fileiras do exército dos EUA em um número muito maior do que haviam sido revelados nos nove anos anteriores desde a invasão dos EUA.


A publicação revelou 91.000 arquivos do exército dos EUA produzidos entre janeiro de 2004 e dezembro de 2009. Eles foram fornecidos ao WikiLeaks por Chelsea Manning, que teve acesso ao material enquanto trabalhava como analista da inteligência militar.

Indicando a total integração da mídia corporativa ao setor militar, Manning só entregou o material ao WikiLeaks depois de suas tentativas fracassadas de entregá-lo ao New York Times e ao Washington Post. Ao publicar o material, o editor e depois editor-chefe do WikiLeaks, Julian Assange, o descreveu como “a história mais abrangente de uma guerra a ser publicada durante o curso da guerra”.

Chelsea Manning presa por se recusar a testemunhar contra o WikiLeaks

Ao contrário dos mercenários corporativos, que procuram esconder seu alinhamento à guerra imperialista por trás de uma máscara de imparcialidade, Assange foi decididamente partidário. Os documentos sugeriam milhares de crimes de guerra, afirmou ele, e sua divulgação serviria para mudar a opinião pública. “Os homens mais perigosos são os encarregados pela guerra. E eles precisam ser detidos”, disse ele.

Cerca de 20.000 mortes estão contabilizadas nos arquivos. Elas incluem pelo menos 195 vítimas civis mortas pelas tropas da OTAN, que haviam sido anteriormente escondidas do público.

De maneira explosiva, os documentos acabaram com a alegação de que as fatalidades foram o produto inevitável do “nevoeiro da guerra”, ou seja, de supostos contratempos e erros. O assassinato em massa não foi um subproduto acidental do conflito, mas um componente essencial de seu caráter de ocupação neocolonial de uma população inimiga.

A divulgação confirmou, pela primeira vez, a existência de uma “unidade negra” secreta dentro do exército dos EUA, cuja tarefa explícita era assassinar extrajudicialmente destacados “insurgentes”, ou seja, aqueles afegãos que se pensava estarem desempenhando um papel de liderança na luta pela libertação de seu país.

Os acontecimentos detalhados nos arquivos forneceram uma imagem da ilegalidade imperialista que talvez não tivesse sido vista desde os horrores da guerra do Vietnã várias décadas antes.


Guardian registrou pelo menos 21 ocasiões em que tropas britânicas abriram fogo sobre civis, comentando: “Algumas baixas foram acidentalmente causadas por ataques aéreos, mas muitas também dizem envolver tropas britânicas que atiraram em motoristas desarmados ou motociclistas que chegaram ‘muito perto’ de comboios ou patrulhas”.

Citando apenas alguns dos eventos previamente desconhecidos dos arquivos, o jornal britânico escreveu: “Erros sangrentos à custa de civis, como registrado nos arquivos, incluem o dia em que as tropas francesas metralharam um ônibus cheio de crianças em 2008, ferindo oito. Uma patrulha dos EUA da mesma forma metralhou um ônibus, ferindo ou matando 15 de seus passageiros, e em 2007 as tropas polonesas massacraram uma vila, matando todos de uma festa de casamento, incluindo uma mulher grávida, em um aparente ataque de vingança.”

Ataques a civis foram frequentemente apresentados como “ações direcionadas” contra “militantes talibãs”. Para citar novamente o Guardian:

Um bombardeio Harrier é apontado como tendo matado oito pessoas. Em outro registro, um jato F16 chamado por um esquadrão de fuzileiros depois anunciou no rádio que podia ver ‘corpos sendo capturados na área alvo’. Sete civis foram feridos e um foi morto nesse ataque.

Um outro ataque de helicóptero Apache fora de Kandahar supostamente havia matado três Talibãs: mas se provou mais tarde que duas mulheres e duas crianças haviam morrido.

Uma explosão de míssil Hellfire de um drone não tripulado sobre Helmand também supostamente havia matado seis Talibãs. Mais tarde, revelou-se que ele havia ferido duas crianças.

Tropas britânicas em um posto de controle em Sangin mataram quatro e feriram três civis em julho. Em agosto, um esquadrão de paraquedistas disparou contra o que pensava serem insurgentes, matando três civis e ferindo quatro. E em setembro, um motociclista desarmado foi morto a tiros por uma patrulha britânica.


Os documentos indicavam de maneira consistente que os comandantes da Coalizão estavam cientes de que a maioria da população afegã era favorável à sua expulsão do país. Eles detalhavam as relações de fraqueza entre as forças lideradas pelos EUA e seus aliados do exército afegão, que foram maltratados. As forças estrangeiras viviam com medo constante de que, por causa de tal oposição popular, um de seus aliados afegãos “se rebelasse” e virasse suas armas contra os ocupantes.

As inumeráveis contradições da política externa imperialista dos EUA foram reveladas. Os comandantes aliados sabiam que os serviços de inteligência paquistaneses, que eram formalmente seus aliados, estavam colaborando estreitamente com os militantes islâmicos.

O conjunto das revelações deu à população mundial uma maior compreensão do primeiro crime de guerra imperialista do século do que qualquer outra publicação. Sua divulgação foi um evento histórico que será analisado e comentado durante décadas.

Mas os arquivos da guerra do Afeganistão ainda não se tornaram história. A ocupação brutal, que resultou na morte de cerca de meio milhão de afegãos, continua. Os criminosos de guerra não se livraram apenas de qualquer punição. Hoje eles comandam as forças armadas estadunidenses, australianas e britânicas e planejam novos crimes, incluindo conflitos catastróficos com potências com armas nucleares, como a China e a Rússia.


Os únicos indivíduos que foram punidos criminalmente pela publicação foram Chelsea Manning, que suportou uma década de perseguição, e Julian Assange, que está preso na prisão britânica de segurança máxima de Belmarsh aguardando audiências judiciais para sua extradição para os EUA.

Ele pode enfrentar nos EUA até 175 anos de prisão, na primeira vez em que um editor e jornalista é acusado sob a Lei de Espionagem. As revelações dos horrores da guerra do Afeganistão figuram na folha de acusação de Assange, onde são repetidamente apresentadas como prova de uma conspiração com Manning que ameaçava a segurança nacional dos EUA. O delito de “publicação pura”, ou seja, jornalismo, está entre os supostos crimes de Assange.


A acusação dos EUA inclui algumas das mentiras mais repetidas na mídia e pelo governo relacionadas aos arquivos da guerra do Afeganistão. Afirma novamente que sua publicação colocou em risco a vida do pessoal militar dos EUA e de seus informantes afegãos, uma alegação que foi desmascarada no tribunal marcial de Manning de 2013.

É mencionada a suposta presença dos documentos no complexo Abbottabad de Osama Bin Laden, onde ele viveu durante anos como protegido dos militares paquistaneses alinhados com os EUA. Revistas publicadas por think tanks ligados à CIA também foram encontradas no complexo, mas não houve nenhum pedido para que seus autores fossem acusados.

Jornalista australiano Mark Davis 
Além disso, a alegação de que Assange se mostrou imprudente foi completamente desmascarada. O jornalista australiano Mark Davis explicou no ano passado, a partir de suas próprias observações, que foi Assange, não seus parceiros no New York Times ou no Guardian, que pessoalmente redigiu milhares de páginas antes de serem publicadas. Cerca de 16.000 documentos não foram publicados para evitar que alguém fosse prejudicado.

Apesar disso, a alegação de que Assange demonstrou uma atitude despreocupada em relação à segurança dos informantes afegãos tornou-se uma das principais justificativas fornecidas pelos antigos parceiros do WikiLeaks no Guardian e no New York Times para trai-lo. O Times havia entrado em contato extensivamente com a administração Obama, uma vez que publicou apenas um punhado das revelações contidas nos arquivos.

Entretanto, à medida que os EUA intensificaram sua busca por Assange, até mesmo uma colaboração mínima com o WikiLeaks tornou-se demais para essas publicações.

Por mais cínicas e falsas que fossem suas afirmações, não é insignificante que o grito de guerra dos mercenários corporativos em sua corrida para se alinharem com a administração Obama e a CIA tenha sido a defesa dos informantes militares dos EUA. Nada sobre o conflito afegão, ao que parece, havia despertado as paixões desses repórteres tanto quanto a perspectiva de que os vira-casacas sofressem retaliação.

Os “jornalistas” se identificaram instintivamente com os informantes, nenhum dos quais foi morto ou ferido como resultado da publicação do WikiLeaks. Pode-se supor que eles compartilharam a vontade de vender princípios por dinheiro, uma ansiedade de alinhar-se com os poderosos e um desprezo por qualquer um que atravessasse o caminho deles. É preciso dizer que os informantes afegãos, em alguns casos, estavam salvando seus próprios pescoços. Os mesmos perigos não enfrentaram os repórteres em seus lares de Londres e Washington.

Essas calúnias foram desacreditadas uma década depois. Assange manteve corajosamente sua oposição ao imperialismo e à guerra diante de uma quase inédita vingança de estado. A luta por sua liberdade está na vanguarda da luta contra o militarismo e pelos direitos democráticos.



quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

FEMINICÍDIO: Vídeo de execução pública de uma mulher desarmada e seu filho por policial causa indignação massiva

 

Philippines: Video of police killing sparks mass outrage - Off Duty Cop Shoots Mother and Son in The Head Execution Style Over Noise Dispute

por John Malvar

É semana de Natal e as aldeias provinciais de todas as Filipinas brilham sob as luzes coloridas das lanternas de parol ficam cheias de gente com o regresso dos trabalhadores que vivem em Manila e retornam para as férias. Os disparos ocorreram em Paniqui, Tarlac, uma cidade de cultivo de arroz no extremo norte de Central Luzon, cerca de quatro horas a norte de Manila.

Sonya Gregorio, de 52 anos de idade, e seu filho, Frank Anthony, de 25, estavam reunidos com amigos num gramado entre as casas de bloco inacabadas, construídas umas ao lado das outras nas bordas de um arrozal. Frank Anthony e os vizinhos lançavam boga, um fogo de artifício improvisado construído a partir de tubos de pvc.


Jonel Nuezca, um sargento-mor da polícia do município de Paranaque, em Metro Manila, que estava de visita em Paniqui durante suas férias, chegou com o seu revólver de serviço no cinto e com sua filha de 13 anos ao lado e abordou a família. A discussão começou por causa do barulho da boga, mas rapidamente se transformou numa disputa sobre a propriedade e o direito de passagem. Brigas acaloradas em torno do direito de propriedade são comuns nas zonas rurais das Filipinas, onde muitas vezes só existe uma rua e os terrenos e casas se aglomeram em busca deste acesso.

O que é descrito a seguir está documentado nas gravações brutais do assassinato.


Nuezca ameaçou Frank Anthony verbal e fisicamente, sacando sua arma e declarando que iria o prender. 

Ele não possuía um mandado, nem acusações, nem estava de serviço. No clima de violência policial generalizada criado pelo governo Duterte, ser levado por um agente da polícia poderia facilmente significar uma sentença de morte. Se um agente da polícia disparar contra alguém que alegadamente resistiu, "nanlaban", as acusações contra o policial são imediatamente retiradas.

Sonya Gregorio agarrou-se ao seu filho, enrolando os braços em volta do seu peito, tentando desesperadamente protegê-lo do policial que o arrastava pelos braços. Os vizinhos e as crianças reunidas gritavam de medo e raiva, impotentes. O que eles poderiam fazer? Chamar a polícia?

A filha de Nuezca ameaçou a mãe, dizendo-lhe: "O meu pai é um policial". "Não quero saber", respondeu Sonya Gregorio. Nuezca atirou na cabeça de Gregorio à queima-roupa, depois em seu filho, e depois disparou contra os seus corpos caídos no chão. "Missão cumprida", disse ele, colocando o braço no ombro da filha enquanto deixavam o local.


Nuezca conduziu sua motocicleta até um departamento vizinho da polícia em Rosales, Pangasinan, onde se entregou. Não há dúvida de que ele esperava impunidade, a mesma impunidade generalizada frente a acusações criminais que foi estendida à polícia em todo o país durante os últimos quatro anos. Ele não tinha calculado que o vídeo do seu crime ficaria famoso e desencadearia uma tempestade de protestos.

O que o vídeo explícito documentou não foi um acontecimento excepcional, mas a realidade cotidiana dominada pela violência policial gerada pela chamada guerra às drogas do governo Duterte, o Bolsonaro das Filipinas. Todos os dias, nos últimos quatro anos, são feitas dezenas de vítimas de assassinatos de policiais e vigilantes. Três ou quatro outras mortes desse tipo foram relatadas no mesmo domingo do duplo homicídio em Paniqui.

Presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte:
"Não dou a mínima para a matança de milícias".


À medida que o vídeo do homicídio viralizava, centenas de milhares de posts furiosos circulavam nas redes sociais com #StopTheKillingsPH (Parem os Assassinatos nas Filipinas) e hashtags semelhantes. Um número significativo de posts exigia que a polícia fosse totalmente abolida.

Reconhecendo a revolta generalizada, o governo distanciou-se de Nuezca, referindo-se às suas ações como um crime e um "incidente isolado". Na segunda-feira à noite, procurando conter a crescente indignação, Duterte fez um discurso não programado à nação, no qual afirmou que Nuezca não é um criminoso, era "louco".

O assassinato de Sonya e Frank Anthony Gregorio não foi um "incidente isolado". Nuezca, como rapidamente foi revelado, tinha cometido vários homicídios anteriores, dois em 2019. Fora acusado de má conduta por ter recusado testes de drogas e recusado comparecer em tribunal. Todas as acusações haviam sido retiradas. O seu caso é representativo do clima de impunidade criado por Duterte.


Duterte fez inúmeros discursos nos quais disse publicamente à polícia que, se os suspeitos resistirem, "disparem". "Eu os protegerei", declarou repetidamente. Desde que tomou posse, mais de 8.000 pessoas foram mortas pela polícia e mais de 20.000 foram mortas por vigilantes. Ele está presidindo uma guerra contra os pobres e a população trabalhadora de proporções genocidas.

Na semana passada, o Tribunal Penal Internacional (TPI) anunciou que sua investigação preliminar sobre a condução da guerra às drogas nas Filipinas tinha revelado provas de "crimes contra a humanidade" pelo governo Duterte, incluindo assassinatos em massa e tortura. A investigação seria ampliada até 2021, declararam.

Debold Sinas, chefe da Polícia Nacional das Filipinas

Sinas emitiu uma declaração condenando Nuezca. Mas, em seguida, avisou o público que no futuro ninguém deveria gravar ou fotografar a atividade policial.

A indignação em massa com os assassinatos em Paniqui, e os apelos generalizados pelo fim das execuções policiais, derrubam a mentira perniciosa espalhada na mídia de que a "guerra às drogas" de Duterte é "extremamente popular". Essa afirmação tão repetida, difundida nos meios de comunicação internacionais, baseia-se em pesquisas com a população que relatam simultaneamente que 8 em cada 10 filipinos temem pelas suas vidas e pelas vidas dos seus entes queridos em decorrência dos assassinatos policiais. O país está tomado por um clima de medo, e não de aprovação às políticas fascistoides de Duterte.

O apoio a essas políticas limita-se às elites no poder, que veem na repressão autoritária uma defesa dos seus interesses de propriedade contra a ameaça de agitação da classe trabalhadora. Eles estão reabilitando todo o antigo aparato da ditadura da era Marcos. Na cidade de Paniqui, onde Sonya e Frank Anthony Gregorio foram assassinados, uma estátua de Ferdinand Marcos, o ditador brutal e odiado, foi erguida no centro da praça da cidade.



terça-feira, 22 de dezembro de 2020

DEZEMBRO VERMELHO - Silvia Aloia e o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP) - Há muita vida depois de um teste positivo de AIDS

ELA RECUSOU A SENTENÇA DE UM RESULTADO POSITIVO E DECIDIU VIVER PARA LEVAR VIDA CIDADÃ PARA TODAS AS MULHERES

Silvia Aloia, liderança do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas, discente no curso de Administração em Sistemas e Serviços de Saúde na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), uma lutadora pelos direitos das mulheres vivendo com HIV/aids, fala com a galera do Super Batepapo sobre os desafios de oferecer aos infectados pelo HIV uma vida digna. Proteção e preconceitos são abordados nessa conversa.
A história de Silvia com a capital gaúcha e com o Brasil começou em 1982, quando ela era uma menina de 12 anos e sua família fugia do regime militar uruguaio. A adaptação não foi fácil. “Mas hoje meu coração é brasileiro”, garante.

Aos 16 anos, precoce, decidiu morar sozinha. Aos 21, em 1990, engravidou da filha Lauren e – com o apoio da família – encheu-se de planos para o futuro. “Ser mãe era um sonho”, diz. Aos oito meses de gestação, porém, durante o pré-natal, o susto que mudou a sua vida: Silvia descobriu que tinha HIV.


O período – como não poderia deixar de ser – foi marcado por grande sofrimento. Silvia foi demitida do emprego, em clara manifestação de discriminação, e ficou “em estado de choque”. “Eu tinha muito, muito medo”, revela, lembrando que se “sentia suja”, mas que sabia que não tinha feito “nada demais”. Some-se a isso o temor de a filha também nascer com HIV e a pressão dos médicos para que revelasse sua sorologia à família – o que ela não queria fazer. “Fui sobrevivendo – mas demorei muito tempo para me aceitar”, diz. A fase ruim foi encerrada com alegria aos 16 meses da filha, quando descobriu que Lauren não tinha HIV. “Foi um momento de grande emoção”, lembra, com um sorriso.
Mas Silvia continuava em negação sobre sua própria sorologia – vivendo com HIV, mas sem tomar medicamentos durante mais de oito anos. No início da década de 2000, passou a perceber os sintomas da doença – estava quase sem cabelo e sentia-se constantemente mal –, mas ainda assim relutava em procurar pelos serviços de saúde. “Um dia não aguentei mais e fui ao médico: eu tinha várias infecções oportunistas e minha contagem de células CD4 havia caído para apenas quatro – o que significa a possibilidade de morte iminente”, explica, com emoção velada. Foi então que Silvia decidiu contar tudo para Lauren. A filha tinha então 12 anos e entrou em pânico. Em 2003, Silvia começou a tomar os medicamentos antirretrovirais. “Depois de um ano e meio, voltei a dizer: eu sou a Silvia”.
(Os linfócitos T-CD4 são as células mais importantes do sistema imunológico, que protege o organismo contra infecções e doenças. A sua contagem revela quantas células CD4 estão presentes em uma única gota de sangue; quanto maior o número de células CD4 no organismo, melhor. Desde dezembro de 2013, com a adoção do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos, o Brasil indica o tratamento antirretroviral para todas as pessoas com HIV, independentemente dos níveis de CD4 – o que vem resultando no aumento no número de pessoas com HIV em tratamento e com carga viral indetectável. A propósito: carga viral indetectável é a condição de uma pessoa soropositiva que atingiu a supressão do vírus como resultado do uso regular de medicamentos antirretrovirais. Quem tem carga viral indetectável não está curado do HIV, mas, enquanto mantiver o tratamento antirretroviral, tem o vírus controlado e preso em certas células do organismo – sem se multiplicar, sem danificar o organismo e sem ser transmissível.)

Hoje, 16 anos depois de estar à beira da morte, Silvia tem carga viral indetectável. (É quase um milagre, e prova do que a fé e a boa adesão ao tratamento antirretroviral conseguem alcançar.) Ela cursa Administração em Sistemas e Serviços de Saúde na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e lidera o MNCP, lutando pelos direitos das mulheres vivendo com HIV/aids. Está casada com um companheiro sorodiferente (quando um dos parceiros tem HIV e o outro, não) que a faz muito feliz; há pouco, quando a filha de Lauren nasceu, tornou-se avó. É extremamente respeitada por sua liderança na luta contra o HIV/aids e em suas interfaces, na saúde coletiva, com temas correlatos como gênero e população negra, por exemplo.
Mas o final feliz e o ativismo não amainam a realidade: “Não é fácil ter HIV; não é fácil tomar medicamentos”. Silvia resume: “Se você tem HIV, precisa ter boa adesão ao tratamento, além de acesso à informação e a todos os seus direitos”.
 

Assessoria de Comunicação
Departamento das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais
Conheça também a página do DIAHV no Facebook:
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 Equipe Conjunta do UNAIDS em Brasília para debater as estratégias e ações do Plano Conjunto da ONU sobre AIDS no Brasil - Estratégia 2016-2021 e do contexto delineado pela Agenda 2030.


 O Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP) 

Quem somos

O Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP) é uma organização brasileira formada por mulheres vivendo com HIV e AIDS e pessoas que convivem com a epidemia. O movimento foi criado para promover o fortalecimento de mulheres vivendo e convivendo com o HIV e a AIDS, independente de credo, orientação sexual, raça ou cor, ou orientação político-partidária e identidade de gênero em nível municipal, estadual, regional e nacional e internacional.

Missão, visão e valores

Promover ações para fortalecimento integral das Mulheres vivendo com HIV/AIDS com foco no acesso à informação e na garantia dos direitos humanos.Nossos princípios

O fortalecimento das mulheres vivendo com HIV, através do estabelecimento de estrategias de atuação que as levem à aceitação da sua condição sorológica para o HIV;
O combate ao isolamento e à inércia das mulheres vivendo com HIV/AIDS, reafirmando sua cidadania e promovendo a troca de informações e experiências com o objetivo de melhorar sua qualidade de vida;
A promoção da prevenção à infecção pelo HIV, buscando o controle da epdemia no Brasil;
A inclusão de Mulheres Vivendo com HIV/AIDS na construção de políticas públicas buscando a garantia da saúde integral.

    ASSISTA SILVIA ALOIA NO SUPER BATEPAPO

Dezembro vermelho: o que é?

O último mês do ano também tem um tema para chamar de seu. Você já ouviu falar sobre dezembro vermelho? Sabe sobre o que se trata? Se não, chegou a hora de conhecer. Continue lendo o artigo para entender mais sobre!

Dezembro vermelho

Mês da conscientização e combate à Aids


1º de dezembro é o Dia Mundial de Luta Contra a Aids.

A data foi estabelecida internacionalmente em 1987 por decisão da Assembléia Mundial de Saúde com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU). No Brasil, o Ministério da Saúde adotou a data um ano depois.

O objetivo foi o de reforçar a solidariedade, a tolerância, a compaixão e a compreensão com portadores de AIDS.

Nada mais justo d

A profunda espiritualidade de Rosa Luxemburgo em seu último natal



Nestes momentos... eu gostaria tanto de lhe transmitir esta chave mágica, para que você perceba sempre e em qualquer situação o lado bonito e alegre da vida


José Tolentino de Mendonça é um cardeal, poeta e teólogo português, nascido em Machico, Madeira, em 15 de Dezembro de 1965.

O cardeal Tolentino é professor universitário e recebeu em Junho de 2020 o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva, devido à "capacidade que demonstra ao divulgar a beleza e a poesia como parte do património cultural intangível da Europa e do mundo. E não é por menos também considerado como uma das vozes mais originais da literatura portuguesa contemporânea e reconhecido como um eminente intelectual católico. A sua obra inclui poesia, ensaios e peças de teatro assinados apenas como José Tolentino Mendonça.

Atualmente, ele é o responsável pelo Arquivo Apostólico do Vaticano e pela Biblioteca Apostólica Vaticana, na Cúria Romana. E assim sendo, está entre um dos mais respeitáveis interlocutores do Papa Francisco. Tolentino foi responsável por discutir em publico desde a igreja a espiritualidade deste mulher que é um ícone do pensamento libertário e libertador. Marxista, ateia, ela nos ensina espiritualidade, com qualificou o site Paz e Bem, na matéria que segue:

Este olhar resulta de um encontro improvável, entre ela e o arcebispo José Tolentino Mendonça, nomeado em junho de 2018 pelo Papa Francisco, depois de conduzir, de 18 a 23 de fevereiro, o retiro de Quaresma do Papa e dos membros da Cúria Romana. Como arcebispo, foi nomeado para os cargos de Arquivista e Bibliotecário da Santa Sé. Ele foi o responsável pelo retiro espiritual dos bispos brasileiros durante a Assembleia Geral da CNBB deste ano -o retiro aconteceu em 4 e 5 de maio.

Tolentino é hoje uma símbolo referência mundial da espiritualidade do papado de Francisco. É significativo, portanto que ele dedique um importante trecho de seu livro “A Mística do Instante” a Rosa Luxemburgo.

Escreveu Mendonça:

“Um dos textos mais comoventes que eu conheço é uma carta de Rosa Luxemburgo escrita a uma amiga da prisão feminina de Wroclaw, por ocasião do Natal, poucos meses antes da sua execução. (…)
Era o terceiro Natal que a filósofa e sindicalista passava na prisão. Ela buscou uma árvore de Natal para si, mas não conseguiu remediar outra coisa, senão um arbusto miserável e despojado, que, mesmo assim, carregou para a própria cela.
E isso a levou a se interrogar sobre a ‘ebriedade alegre’ que conseguia armazenar naquele inferno, aquela irredutível espécie de confiança que persistia nela apesar do desconforto e da desolação.
Ela escreveu naquela noite: ‘Estou aqui deitada, sozinha, em silêncio, envolta nestes múltiplos e escuros lençóis da escuridão, do tédio, da prisão de inverno – e, enquanto isso, o meu coração bate de uma alegria interior incompreensível e desconhecida, como se eu fosse caminhando ao sol radioso em um prado florido. […] Nestes momentos eu penso em você e eu gostaria tanto de lhe transmitir esta chave mágica, para que você perceba sempre e em qualquer situação o lado bonito e alegre da vida’.
E, quando se pergunta mais profundamente o porquê de tanta ‘felicidade’, ela declara: ‘Eu não o encontro, de fato, e não posso deixar de sorrir ainda de mim mesma. Acho que esse segredo nada mais é do que a própria vida’.
A última parte da carta não é menos inesquecível. Rosa Luxemburgo assiste à chegada de carros repletos de pesados sacos de indumentos militares, que as prisioneiras deverão emendar. São puxados por búfalos capturados na Romênia e exibidos como troféus.
Pela primeira vez, ela observa a indizível dor dos animais. É um choque e uma revelação. Quando se atreve a pedir ‘um pouco de compaixão’ por aquelas criaturas esgotadas, o carreteiro lhe responde violentamente: ‘E de nós, quem tem piedade?’. E, na frente dela, recomeça a bater fortemente nos búfalos.
O olhar de Rosa Luxemburgo se fixa, então, em um deles. O animal sangrava, mas permanecia imóvel, com os olhos mais mansos do que ela jamais tinha visto. Naqueles olhos, ela percebeu uma impotência semelhante a de uma criança que estivesse chorando por um longo tempo sem ser ouvida.
‘Era exatamente a expressão de uma criança que é punida duramente e não sabe por qual motivo nem por que, que não sabe como escapar do sofrimento e da força bruta… Eu estava diante dele, o animal me olhava, as lágrimas escorriam dos meus olhos, eram as suas lágrimas. Diante da dor de um irmão querido, é impossível não ser sacudido pelos mais dolorosos soluços como na minha impotência diante desse sofrimento mudo.’
Da empatia que ligava naquele momento uma mulher a um anônimo animal ferido, nascia uma nova forma de resistência à brutalidade e à barbárie. ‘Diante dos meus olhos, vi passar a guerra no seu estado puro’: Rosa Luxemburgo compreendeu que uma comunhão entre os seres humanos e as outras criaturas não é apenas possível. É urgente e necessária.

Carta de natal de Rosa Luxemburgo



Do blog: Esquerda


Em meados de dezembro de 1917, Rosa Luxemburgo escreveu esta carta a Sophie Liebknecht. Foi o último dos três natais que passaria na prisão. Apesar de só ter sido libertada em novembro do ano seguinte. A partir daí o tempo acelerou tragicamente. Até janeiro de 1918.
Karl está na prisão de Luckau desde há um ano. Tenho pensado tanto nisso neste mês e sobre como apenas passou um ano desde que me vieste ver a Wronke e me deste aquela adorável árvore de Natal. Desta vez arranjei uma aqui. Mas trouxeram-me uma árvore raquítica com alguns dos ramos partidos – não tem comparação com a tua. Nem sei como vou conseguir colocar-lhe todas as oito velas que tenho para lhe por. Este é o meu terceiro Natal encarcerada mas não deixes isso desanimar-te. Estou tão tranquila e alegre como sempre. Na última noite fiquei acordada por muito tempo. Tenho de ir para a cama às dez mas não consigo adormecer antes da uma da manhã, por isso deito-me no escuro, ponderando muitas coisas.
Na última noite os meus pensamentos fluíram desta forma: “é tão estranho que esteja sempre numa espécie de intoxicação alegre apesar de não ter causas suficientes para isso. Aqui estou eu deitada numa cela de prisão escura sobre um colchão duro como uma pedra; o edifício tem a sua habitual quietude de adro de igreja, de tal forma que se poderia já estar sepultada; através da janela cai cruzando a cama um cintilar de luz do candeeiro que está toda a noite aceso em frente da prisão. A espaços consigo ouvir à distância o barulho fraco do comboio que passa ou bem perto a tosse seca do guarda prisional tal como as suas botas pesadas já que ele dá algumas passadas lentas para esticar as pernas. O rangido do cascalho sob os seus pés tem um som tão desesperançado que toda a fadiga e futilidade da existência parece ser assim irradiada na noite sombria e húmida. Deito-me aqui sozinha e em silêncio, envolvida nos múltiplos agasalhos negros da escuridão, do tédio, da falta de liberdade e do inverno – e contudo o meu coração bate com uma incomensurável e incompreensível alegria interior, tal como se me estivesse a mover num raio de sol brilhante num prado florescente

E na escuridão eu sorrio à vida, como se fosse possuidora de um talismã que me tornasse capaz de transformar tudo o que é mau e trágico em serenidade e felicidade. Mas quando procuro na minha mente a causa desta alegria, encontro que não há causa para ela e apenas consigo rir-me de mim própria” – acho que a chave para o enigma é simplesmente a própria vida, esta profunda escuridão da noite é leve e bonita como veludo, basta olhar para ela da forma certa. O rangido do cascalho húmido sob as pisadas lentas e pesadas do guarda prisional é igualmente uma adorável pequena canção de vida – para quem tenha ouvidos para a ouvir. Em tais momento penso em ti, e em como faria o que pudesse para te entregar esta chave mágica também. Assim, em todos os tempos e lugares, serias capaz de ver a beleza e a alegria da lida; então também poderias viver numa doce embrieguês e fazer o teu caminho por entre um prado fluorescente. Não penses que te estou a oferecer alegrias imaginárias ou que estou a pregar o ascetismo. Quero que proves todos os prazeres reais dos sentidos. O meu único desejo é dar-te para além disso o meu inesgotável sentido de êxtase interior.

Se o pudesse fazer, estaria à vontade sobre ti, sabendo que na tua passagem pela vida estarias vestida com um manto enfeitado de estrelas que te protegeria de tudo o que é mesquinho, trivial ou assediante.

Estou interessada em ouvir sobre o adorável cacho de bagas, das negras e vermelhas-violetas, que colheste no parque Steglitz. As amoras talvez tenham sido mais maduras – claro que conheces as bagas mais maduras que ficam penduradas em cachos grossos e pesados entre as folhas em forma de leque. Mais provavelmente, contudo, eram ligustros esguios e graciosos com picos verticais de bagas por entre as folhas verdes estreitas e alongadas. As bagas avermelhadas-violeta, quase escondidas pelas pequenas folhas, devem ter sido as da nespereira anã; a sua cor apropriada é o vermelho mas nesta época tardia em que estão demasiado maduras e começam a apodrecer ganham muitas vezes um tom violeta. As folhas são como as do mirtilo, pequenas, pontiagudas, verde escuras, com uma superfície como se fosse couro em cima mas rugosas por baixo.

Sonyusha, conheces o Verhängnisvolle Gabel de Platen? (1) Poderias enviar-mo ou trazê-lo quando vieres? Karl disse-me que o leu em casa. Os poemas de George são belos. Agora já sei de onde tiraste o verso “e entre o farfalhar do milho avermelhado” que gostavas de citar quando estavas a passear no campo. Gostava que me copiasses o Amades Moderno (2) quando tiveres tempo. Gosto tanto do poema (um conhecimento que devo às composições de Hugo Wolf) mas não o tenho aqui. Ainda estás a ler a Lenda Lessing? Estive a reler a História do Materialismo de Lange (3) que acho sempre estimulante e revigorante. Espero que a leias algum dia.

Sonichka, querida, tive uma dor tão grande recentemente. No pátio onde caminho, frequentemente chegam camiões do exército, carregados de mochilas ou velhos casacos e camisas vindos da frente de guerra; por vezes estão manchados com sangue. São enviados para as celas das mulheres para serem remendados e depois regressam para serem usados pelo exército. O outro dia um destes camiões foi puxado por uma parelha de búfalos em vez de cavalos. Nunca tinha visto estas criaturas perto antes. Têm uma compleição mais poderosa que os nossos bois, com cabeças achatadas, e cornos firmemente recurvados, de tal modo que os seus crânios têm uma forma parecida com os das ovelhas. São pretos e têm olhos grandes e meigos. Os búfalos são troféus de guerra na Roménia. Os soldados-condutores dizem que é muito difícil apanhar estes animais, que sempre têm corrido livremente, e ainda mais difícil de quebrá-los de modo a domesticá-los. Têm sido impiedosamente açoitados – sob o princípio do “vae victis”(4).
Há quase uma centena de cabeças apenas em Breslau. Estavam acostumados aos luxuriantes prados romenos e aqui têm de suportar uma forragem fraca e escassa. Explorados sem limites, sob a canga de cargas pesadas, rapidamente se esgotam a trabalhar até à morte.

O outro dia um camião veio carregado de sacas, tão sobrecarregado de facto que os búfalos eram incapazes de arrastá-lo através da soleira do portão. O soldado condutor, um tipo bruto, espancou as pobres bestas de maneira tão selvagem com o cabo do seu chicote que a guarda do portão, indignada com o que via, lhe pediu compaixão pelos animais. “Não mais do que alguém tem compaixão por nós homens”, respondeu ele com um sorriso malvado e redobrou os seus golpes. Lentamente os búfalos conseguiram fazer a carga sobre o obstáculo mas um deles estava a sangrar. Sabe-se que a sua pele é conhecida pela sua espessura e dureza mas tinha sido rasgada. Enquanto os camiões estavam a ser descarregados, as bestas, que estavam absolutamente exaustas, permaneceram perfeitamente paradas.

O que estava a sangrar tinha uma expressão na sua cara preta e nos seus olhos pretos meigos como a de uma criança a chorar – uma criança que tenha sido fortemente espancada e não perceba porquê, nem saiba como escapar ao tormento dos maus tratos. Fiquei em frente dos animais; a besta olhou para mim: as lágrimas jorraram dos meus olhos. O sofrimento de um irmão muito amado dificilmente poderia ter-me afetado mais profundamente do que estava comovida pela minha impotência face à sua muda agonia. Muito longe, perdidos para sempre, estavam os prados verdejantes e luxuriantes da Roménia. Quão diferente é lá a luz do sol, o sopro do vento; quão diferente é lá a canção dos pássaros e o chamamento melodioso do pastor.

Em vez disso, a rua hedionda, o estábulo fétido, o feno rançoso misturado com a palha bolorenta, os homens estranhos e terríveis – golpe após golpe e com sangue a escorrer das feridas abertas. Pobre miserável, sou tão impotente, tão estúpida, quanto tu próprio; sinto-me unida a ti na tua dor, na tua fraqueza e na minha saudade.

Enquanto isso as mulheres prisioneiras acotovelavam-se enquanto descarregavam atarefadamente a carrinha e carregavam as sacas pesadas para o edifício. O condutor, de mãos nos bolsos, galgava o pátio de cima para baixo, sorrindo a si próprio enquanto assobiava uma moda popular. Tive uma visão do esplendor da guerra!...

Deixa estar, minha Sonyusha; deves estar calma e feliz na mesma. Tal é a vida e temos de a tomar tal como é, bravamente, cabeças erguidas, sorrindo sempre – apesar de tudo.



Tradução de Carlos Carujo a partir da versão inglesa disponível em marxists.org

(1) O Garfo Fatal, uma comédia satírica
(2) Uma canção de Goethe.
(3) Lange foi também autor de “A questão do trabalho, o seu significado para o presente e o futuro”.
(4) Expressão latina que significa literalmente “Ai dos vencidos”. Remete para o facto dos vencidos em batalhas não deverem esperar misericórdia dos vencedores.

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