segunda-feira, 16 de agosto de 2021

NEM SEMPRE A VITORIA POPULAR SOBRE O IMPERIALISMO SIGNIFICA A VITORIA DA CIVILIZAÇÃO SOBRE A BARBARIE, MAS JÁ É UM BOM COMEÇO


“Ouço, incrédulo e espantado, brasileiros que se dizem defensores dos direitos humanos comemorarem com empolgação a tomada de poder pelo Taleban no Afeganistão. Pessoas bem formadas, inteligentes e influentes e que, no entanto, não percebem (ou não querem perceber) as semelhanças entre as pautas do Taleban e as do bolsonarismo, que abominam e combatem.”
Alex Solnik

 Por Douglas N. Puodzius

Muita gente que se diz progressista e até de esquerda anda chorando o destino das mulheres e meninas nas mãos do maldito Taleban. Não se conformam quando presenciam alguém comemorando a derrota do imperialismo norte americano em terras afegãs e logo acusam de estar a se fazer festa pela vitória da barbárie. Aliás, Alex Solnik, do Jornalistas pela Democracia e articulista do 247, é um exemplar clássico deste tipo. Essa faceta ficou bem mais evidente durante o “Bom dia 247 de 16/08/2021”, quando assistimos sua performance histérica frente ao posicionamento de Paulo Moreira Leite contra a agressão colonialista sofrida pelo Afeganistão.

Não é o caso aqui de discutir a ingenuidade de Solnik para além de seu texto: “Taleban é bolsonarismo ao cubo”, mas seguramente um compendio de seus artigos permite posicioná-lo na condição de modelo do progressismo Cristiano burguês. Um sujeito que tem como plano da natureza uma espécie de capitalismo cristão, que é o ponto central de onde orienta o foco e a perspectiva de suas análises.

Observando mais de perto o artigo de Solnik, entende-se melhor o que é a retórica desse burgo progressismo. Por exemplo; logo de saída ele ataca com a seguinte constatação: "Tal como os bolsonaristas, o Taleban repudia a democracia e as eleições. Taleban é bolsonarismo ao cubo". Como se vê, para o jornalista democrata, existia no Afeganistão a preciosa democracia e as honestas eleições que, aliás, são as mesmas que devemos nós brazucas empoderados pelo neoliberalismo democrata, também guardar com zelo contra as estocadas Bolsonaristas aqui no Brasil.

Talvez, o próprio Solnik, en passant, ateste que, lá como cá, nem a democracia e nem as eleições eram ou são perfeitas, mas logo remediaria os pequenos desvios nesses planos com a advertência de que nada é perfeito, lembrando ser tal deficiência fruto da natureza humana.

Assim sendo, podemos ter certo que o ex-presidente Ashraf Ghani, líder máximo do Afeganistão por quase vinte anos, democraticamente ungido e reungido em seguidas eleições, era um legitimo representante do povo nas terras dos Mulahs. E amparados na mesma lógica liberal cristã, devemos considerar que o nosso palhaço Bozzo não é o resultado de um golpe de estado e, por isso, caso apareça por aqui um grupo que, com a força de uma revolta popular, deponha esse eleito presidente devemos; não comemorar, mas voltar nossos olhos para o que acontecerá com as mulheres e com a meninas de nosso amado Brasil.

Acontece que Solnik nunca dedicou uma linha sequer para criticar o tempo de Ashraf no poder igual como tantas que dispensou para: Noriega, ou para: Fidel, Chaves, Evo Morales e outros, cujas eleições foram vencidas em processos coincidentemente não reconhecidos democráticos pelos Estados Unidos. E do mesmo modo, ele não tem tanta preocupação com o presente das mulheres e meninas da Arabia Saudita, Líbia ou Somália. Sua indignação é pautada pelos editores americanos para quem não interessa discutir tais condições nos países alinhados.

Era nessa perspectiva limitada que Solnik esbravejava em defesa das mulheres que seriam proibidas de trabalhar e estudar sob jugo do governo Taleban. Quem o acompanhava tinha a certeza que todas elas trabalhavam e estudavam na suntuosa “democracia” de Ashraf. Entretanto, uma rápida triscada dos dois neurônios traz à mente a destruição que se promove nas leis que regem a relação capital/trabalho no Brasil democrático, para ter a dimensão do que era o tão lamentado “trabalhar” no Afeganistão.  Estudar então é um faz-me rir sem comentários.

A verdade é que se Ashraf Ghani, munido de três trilhões de dólares, tivesse construído escolas e desenvolvido condições de trabalho e distribuído o bem estar por todo país, ele teria sim sido eleito e reeleito diversas vezes e o Taleban seria apenas outra seita em busca de adeptos, talvez nem tanto radical como a atual. Também é verdade que se Ghani tivesse feito tudo isso, Solnik estaria bradando contra o ditador afegão, conforme seria classificado pelos juízes americanos, o líder desse governo eleito em processo não democrático.

Contudo, não foi o que aconteceu. Ghani foi um Bolsonaro ao cubo para o Afeganistão. Ele, que sempre bateu continência para a bandeira americana, manteve-se no poder pela força das armas e oprimiu o povo até o limite de sua paciência. Não foi por nada menos disso que bastaram dois dias sem canhões da democracia que o elegeu para ver-se obrigado a fugir do país.

Brasileiros que se dizem defensores dos direitos humanos devem comemorar com empolgação que o Afeganistão reconquistou sua soberania. Porque afinal, se a força faz os primeiros escravos e a covardia os perpetua, como disse Rousseau, brinda-se a autonomia Afegã, bebendo na mesma fonte, pois, renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até aos próprios deveres. Não há recompensa possível para quem a tudo renúncia.

Por fim, seria interessante saber se Solnik comemorou ainda no século passado a vitória dos Guerreiros da Liberdade sobre o poder impostos por uma governança pró soviética. Naquela época, eles igualmente hoje traziam no alforje essa mesma cultura milenar tão endemoniada pelo articulista democrata.

Acredite, os Talibãs governaram o Afeganistão orientados por suas escrituras, que seguem sem alterar uma virgula, sem diferença alguma daquelas que adotam atualmente, e sem que os Solniks de plantão os denunciassem em praça pública.

 

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