quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

A DESCONHECIDA MÚSICA DA SEMANA DE 22

VILLA LOBOS FOTO HISTÓRICA NO HOTEL ONDE VIVIA VILLA-LOBOS, NA RUA FLORÊNCIO DE ABREU, EM SÃO PAULO, JANEIRO DE 1931. MAESTROS FRANKLIN DE MATTOS (ESQUERDA), TABARIN, VILLA-LOBOS E SOUZA LIMA.

Vaias, gritos, apupos. A plateia grunhia, miava, zurrava e latia, zombando e rejeitando com fúria as palavras de muitos daqueles artistas. Referiam-se a eles como: "subversores da arte" "espíritos cretinos e débeis” e "futuristas endiabrados".


Menotti del Picchia, por exemplo, foi vaiado em sua palestra sobre estética, simplesmente por mencionar alguns artistas modernos.
Juca Mulato (1917) é um dos primeiros livros de poesia publicados pelo poeta brasileiro Menotti Del Picchia. Publicado em 1917, antes da Semana de 22, Juca Mulato lançou Menotti no mundo literário.
Juca Mulato conta sobre o caboclo Juca, trabalhador de uma fazenda, descrito nos primeiros versos como em estado de comunhão com a natureza, que sente uma "cisma" - sentimento de inadequação racial, aumentado desde o dia em que flagra a filha da patroa o contemplando.

No dia 15 de fevereiro, Ronald de Carvalho começou a ler o poema "Os Sapos", de Manuel Bandeira, que criticava o já antigo movimento parnasiano, nascido em 1850. A plateia fez um magistral coro, atrapalhando a declamação. Parecia uma torcida organizada. E talvez fosse mesmo.

Ronald de Carvalho cursou Filosofia e Sociologia em Paris. Ao voltar para o Brasil, entrou para o Itamaraty. Em 1922, participou da Semana de Arte Moderna, que ocorreu em 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, e que foi o momento determinante do Modernismo brasileiro

Os exemplos e as histórias são muitos, alguns bem divertidos.
E a música?
Nas noites da Semana, o que aconteceu com ela?
Também foi objeto de vaias?
Não, caros leitores. Com a música as coisas andaram mais calmas. 
Grandes músicos estiveram presentes naquelas noites, no Teatro Municipal, entre eles Guimar Novaes, Ernani Braga e Villa-Lobos. Contudo, pelos registros da época, o repertório tocado não despertou a fúria da assistência.
Guiomar Novaes, para desapontamento de muitos dos modernistas presentes, acabou executando algumas peças de compositores consagrados.

Guiomar Novaes (São João da Boa Vista28 de fevereiro de 1894 — São Paulo7 de março de 1979) foi uma pianista brasileira que construiu sólida carreira no exterior, particularmente nos Estados Unidos. Ficou especialmente conhecida pelas suas interpretações das obras de Chopin e Schumann. Foi importante divulgadora de Villa-Lobos no exterior.
Ernani Braga organizou e dirigiu um conjunto instrumental formado por excelentes músicos e tocou peças de VillaLobos na semana, deixando de lado suas peças mais ousadas para equilibrar um pouco as coisas. Consta que, em 1922, ainda estava ensaiando seu salto para o modernismo e tinha lá seus receios.... 

Ernani Braga (nascido Hernani da Costa Braga ; 10 de janeiro de 1888 – 17 de setembro de 1948) foi um compositor, pianista e maestro brasileiro, preocupado em pertencer à segunda geração de nacionalistas na música. Compôs obras para voz, coro, orquestra e piano. Ele é pouco conhecido fora da América do Sul. Antônio Francisco Braga (1868–1945), com quem às vezes se confunde, foi seu professor e amigo. Entre os alunos de Ernani Braga estava Camargo Guarnieri.

Manuel Bandeira, num texto de 1924, ou seja, já 2 anos depois da "Semana", cutucaria Villa-Lobos, ao falar sobre a importância do violão em nossa cultura.
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho É considerado como parte da geração de 1922 do modernismo no Brasil. Seu poema "Os Sapos" foi o abre-alas da Semana de Arte Moderna. Juntamente com escritores como João Cabral de Melo Neto, Gilberto Freyre, Clarice Lispector e Joaquim Cardozo, entre outros, representa o melhor da produção literária do estado de Pernambuco.

Os temas abordados por Bandeira são amplos e variados. Dentre os temas constantemente presentes, estão o erotismo, o pessimismo e a morte, dentre tantos outros. A despeito de ser ateu, temas como a mística cristã aparecem em sua poesia, ao lado de uma poesia voltada ao amor libertino e ao desejo carnal, por exemplo.

“Para nós brasileiros o violão tinha que ser o instrumento nacional, racial. Se a modinha é a expressão lírica do nosso povo, o violão é o timbre instrumental a que ela melhor se casa.(...) Desgraçadamente entre nós o violão foi até aqui cultivado de uma maneira desleixada (...) Houve também uma certa prevenção contra o violão por carregar a fama de instrumento refece, alcoviteiro e cúmplice da gandaia em noitadas de sedução.(...) Os nossos tocadores de violão compuseram peças de caráter brasileiro interessantíssimas. Correm, porém, de oitiva. Tais são os maxixes de Arthiodoro da Costa, João Pernambuco, Quincas Laranjeiras e outros de igual valor. Villa-Lobos (...) que está agora em Paris, (...) tocou violão quando rapazola. E compôs muita coisa que está guardada a sete chaves... E não sei se não as atirou todas ao mar... Ele não gosta que se fale nisso. Preconceito muito pouco moderno e muito pouco nacional.”
Ou seja, caros leitores, na Semana de 22, os músicos, entre eles Villa Lobos, aparentemente não ousaram muito, não. Muito bem: saltemos para os dias de hoje, 100 anos depois. Vemos que as Semana de 22 continua produzindo sonoros ecos, aqui e ali. 
Mesmo que superficialmente, muita gente sabe de Tarsila do Amaral e de seu deslumbrante Abaporu; da Antropofagia e do Biscoito Fino de Oswald de Andrade; ou da Lira Paulistana, que de nome de obra de Mário de Andrade passou a um movimento musical paulistano na década de 80.
Contudo, muito poucos, certamente, ouviram as obras musicais executadas naquelas 3 noites realizadas em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. 
Eu mesmo confesso, que só há pouco tempo debrucei-me sobre este repertório, para ouvi-lo com calma. E agora que o conheço, gostaria de compartilhar esta experiência com vocês, grandes apreciadores de boa música. 

Maestro João Mauricio Galindo
maestromauriciogalindo@gmail.com 

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Eu tenho grande prazer em compartilhar meu conhecimento e experiências com quem realmente aprecia boa música.

João Maurício Galindo é bacharel em Música pela Unesp, pós-graduado pela USP. Foi violista da Osesp e violista convidado da Orquestra de Câmara de Heidelberg, com a qual realizou três turnês pela Europa com concertos pela Suíça, Alemanha, França, Espanha e Portugal. É cocriador e maestro da série de concertos infantis O aprendiz de maestro, realizada na Sala São Paulo desde 2000, e apresenta dois programas sobre música de concerto na Rádio Cultura FM, o Pergunte ao Maestro e o Encontro com o Maestro.

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