A discussão sobre o nome para ocupar a posição de vice na chapa de Lula feita por diversos atores do campo progressista, tem pecado pela falta de isenção e distanciamento necessários para realizar uma análise objetiva e competente da situação. Em geral são posições que se sustentam apenas na vontade do que se deseja como meio para o enfrentamento e não no seu efeito prático para a vitória da agenda que deveriam priorizar como fim da disputa que se avizinha.
A arenga que ocorre nesse tempo
tão adiantado – Lula nem candidato o é de fato – já indica que os debatedores estão
à deriva, levados pelas ondas da maré. Por si só, esse adiantamento de pauta
demonstra que a mão não está controlando o timão. Parecem passageiros que, em
meio à borrasca, sem se preocupar com o rumo, discutem quem vai ocupar a suíte,
enquanto o senhor dos mares os empurra para as rochas.
E por que o tema vem à baila
agora? Ora, simplesmente porque alguém - nem o PT e nem Lula – disse que o PT e
Lula cogitam a possibilidade de Alckmin vir a ser convidado ou que o próprio teria
se oferecido para compor como Vice na chapa Petista.
Bem, o fato é que se a coisa toda
tomou centralidade por isso ou até por menos..., concordemos que, pelo tumulto
causado na cena política, muitos acham de grande importância o assunto ser
resolvido agora, mesmo antes de Lula ser declarado candidato. Afinal, tudo
dependente de Alckmin estar ou não na chapa para ela ter sucesso ou ser um
fracasso total, ou seja; é o vice quem vai determinar o futuro da candidatura
de Lula.
O caso é que se tomarmos o
controle do leme e voltarmos o barco contra a maré, que é o rumo certo para
quem deseja desenvolver algum pensamento e propor alguma ação no campo da
esquerda ou mesmo progressista, constataremos a irrelevância desta discussão e
mais, teremos certeza de que seu caráter irrelevante não se baseia apenas em
sua temporalidade apressada, mas porque o vice de Lula, no que concerne em
ganhar ou perder a eleição, é uma total nulidade na equação.
Muito embora se diga que cada
eleição tenha seu próprio contexto e dinâmica, a verdade é que; o que se tem de
novo em cada pleito não surge do nada. E, mesmo assim, essa tal coisa inusitada
que querem fazer crer magicamente aparece para contextualizar e dinamizar a disputa,
não se desfaz por encanto após a contagem dos votos. Por outro lado, ainda que
assim o fosse, esse ente divino não feneceria sem deixar lições, traumas,
vítimas e consequências que infectariam o porvir. Portanto, vamos olhar essa
eleição tomando os cuidados que se deve tomar quando se deseja realizar uma
análise objetiva e competente. Sendo assim, vamos analisá-la com um mínimo de dialética
para compreender o irrazoável debate sobre Alckmin.
Dizem que uma das principais
funções da história é estudar o passado para entender o presente e melhor
prever o futuro e, quando o assunto é a disputa eleitoral, ninguém exprime melhor
esse adágio do que o Professor Alberto Carlos Almeida[i].
Ele diz que: as eleições presidenciais no Brasil são previsíveis. E para quem
leu com atenção os seus livros sabe que a previsibilidade delas não se baseia
na escolha do vice, mas na ideia de que, grosso modo, o nosso eleitorado está
definido por desejos de igualdade/justiça social e liberalismo/dinamismo
econômico que contrapõe Nordeste e sul, respectivamente.
Com base nessa premissa, fundamentalmente
podemos explicar a eleição de 2018 e o que deste passado efetivamente se
constitui com importância para o contexto e a dinâmica do pleito em 2022. Este parâmetro
nos permite refletir com mais propriedade sobre a disputa atual colocando a escolha
do vice em seu devido tempo e lugar, que é de longe o que se debate agora.
Para tanto, devemos levar em
consideração que a eleição de 2018 foi o desdobramento de um golpe de estado e,
como fase dessa tomada de poder, não respeitou um grau mínimo de exigências
para classificá-la como um processo de escolha democrático. Nessa perspectiva,
é bom que se diga; o Professor Alberto assevera que a previsibilidade a qual se
refere esta lastreada em padrões, regularidades, não sendo, portanto, a bola de
cristal que se usa para antever resultados de eleições fraudadas, como a 2018,
por exemplo.
Contudo, mesmo entre os destroços
é possível isolar alguns componentes e desprezar os efeitos das jogadas
antidemocráticas e observar que os padrões demarcados para definição do voto do
brasileiro podem explicar com consistência os resultados do último pleito.
Independente dos absurdos –
Fakenews, prisão de Lula etc. - é notório que na disputa eleitoral passada o
desejo por mais liberalismo econômico foi superado como fator chave de escolha
de candidatos pelo discurso anticorrupção. Evidente também é; que a agenda de
combate a corrupção não se impôs frente a promessa de mais justiça social.
Esse quadro colabora para
compreender o desempenho pífio de Alckmin e do PSDB, representantes do
liberalismo econômico, a ascensão de Bolsonaro que, desdobrando suas posições
fascistas incorporou junto ao eleitorado o discurso anticorrupção, e a
resistência da chapa do PT, que chegou ao segundo turno com reais chances de
vitória, principalmente com os votos do nordeste.
Nos dias atuais poucos querem
lembrar as inflamadas discussões sobre o nome de Haddad para substituir Lula na
cédula, ou o quanto era temerário compor a chapa com Manoela Dávila como vice e
quais alianças deveriam e não deveriam ser feitas para o sucesso da campanha.
Esquecer dessas proposições é necessário principalmente porque o que de fato
decidiu a eleição foi a fraude, contra o que nenhum desses iluminados centralizou
seu debate.
Os discursos sobre Alckmin para
vice de Lula, que hoje tomam o centro das preocupações de muitos, no futuro,
serão tão somente aquilo que atualmente são aquelas excepcionais confabulações
sobre a necessidade de que, para avançarmos na luta, o PT não poderia ter
candidato em 2018 ou deveria se apresentar apenas como vice de Ciro Gomes ou
mesmo, em 2014, abrir mão para a bem-aventurada Marina Silva, apoiadora de
Aécio Neves. Toda essa arenga se resume hoje em lenga-lenga para uma boa prosa
política.
Todas estas sabias ilações previam
a catástrofe eleitoral e o fim do PT caso as recomendações não fossem seguidas,
como acontece nas atuais prescrições para o vice de Lula. O tempo demonstrou
que eram vazias, ingênuas e, por óbvio, ineficazes para conter o golpe contra a
democracia, pois, o que se tratava antes e agora é uma disputa de agenda, onde
nomes ocupam - quando ocupam - o lugar de último item no check list. E nesse
caso, até Karl Marx preside o país se aceitar “A ponte para o futuro”.
O professor Almeida propôs o seguinte
ponto de partida para pensar a eleição de 2018. Ele denominou de; premissa da
renovação:
“A combinação entre recessão
aguda e escândalos de corrupção, os piores da história brasileira, ao colocar
no nível mais baixo a credibilidade dos políticos, deslocara PT e/ou PSDB da
disputa presidencial.”
Num exercício hipotético com base
nessa premissa seria possível testar os padrões eleitorais para prever o pleito
de 2018, imaginando um esquema composto por duas cidadelas - PT e PSDB - que
deveriam ser derrubadas para que o adversário prosperasse:
A cidadela do PT cairia se,
considerando mais fortemente o momento recessivo e os casos de corrupção, o
eleitorado esquecesse de todos os benefícios advindos das políticas públicas
engendradas pelos Governos Dilma e Lula, enquanto a do PSDB sucumbiria principalmente
se o eleitorado Paulista ignorasse ter mantido o partido desde 1994
ininterruptamente no poder.
Para cada cidadela caída o
professor propôs um desdobramento para o segundo turno. No caso do PT; Ciro ou
Marina disputariam com o PSDB e no caso de queda dos Tucanos, o PT enfrentaria
alguém com um perfil semelhante ao de Jair Bolsonaro.
Como se constata hoje; Haddad e
Manoela, dois sulistas, conseguiram representar a contento o desejo por mais
igualde social no imaginário do eleitor, notadamente no Nordeste, mantendo a
cidadela do PT segura contra os ataques antipolítica e anticorrupção.
Considerando o exposto, quando
olhamos para 2022 podemos elaborar uma nova premissa da renovação e pensarmos o
que de fato contará como fator para o sucesso da campanha eleitoral de Lula:
“A combinação entre desmonte
das políticas públicas - principalmente voltadas para saúde, emprego e segurança
alimentar - recessão econômica aguda e a ineficácia no combate à corrupção, ao
colocar nos níveis mais baixos de credibilidade os expoentes dos discursos punitivistas
e defensores do estado mínimo, deslocara fascistas e/ou neoliberais da disputa
presidencial.”
Diante dessa proposição podemos acreditar
que a cidadela do PT mantenha sua posição inalterada em 2022 e continuará abrigando
aqueles que defendem um governo que promova mais justiça social, como aconteceu
em 2018. Por outro lado, por minha conta e risco, estimo que o “e” nessa
premissa prevalecerá sobre o “ou”, desmoronando as duas cidadelas: Dos
fascistas e dos neoliberais.
Os postulados por um estado mais
justo socialmente devem derrubar essa nova cidadela anticorrupção e se superpor
aos discursos neoliberais, pois, não há mais espaço para as falsas soluções
futuras, que prometem o prato de comida através do combate à corrupção e nem para
discussões que não envolvam combater a fome, acolher os desalentados e empregar
rapidamente o contingente desesperado do país, não tendo como agente motor dessa
solução o Estado.
A desidratação das propostas
neoliberais que defendem resolver essas questões sociais via iniciativa privada
e privatização do estado já não têm a mesma acolhida acrítica por parte da
população como até pouco tempo atrás. Podemos observar a evolução desse
posicionamento menos condescendente entre o povo, pela patinagem da terceira
via que, impulsionada por financiamentos astronômicos e campanhas midiáticas
intensas não soma para além de vinte por cento de preferência entre os
eleitores, bem como se indica essa fadiga de material, na brutal queda de
credibilidade do outrora poderoso ministro da economia, o posto Ipiranga, atualmente
tido apenas como outra figura folclórica do governo Bolsonaro, com suas
promessas vazias de promover um espetáculo do crescimento nos seus incontáveis amanhãs.
Além de tudo isso, devemos ter em
mente que se Haddad e Manoela, uma dupla atacada de todas as maneiras mais
pusilânimes, impensáveis até mesmo para uma campanha fraudada como a de 2018, num
contexto econômico difícil, porém, com um grau de proteção social satisfatório ainda
garantindo algum bem estar, tendo realizado
poucos dias de campanha e com Lula preso e censurado, conseguiram resistir e
manter a cidadela petista praticamente intacta, diante do atual quadro de terra
arrasada, a disputa com Lula como candidato ganha uma potência estrondosa para
a derrocada das cidadelas fascistas e neoliberais.
Enfim, diante desses argumentos
poderíamos usar aquela velha expressão: “Tá no papo”. Acontece que, quanto mais
no papo está maior a necessidade de o campo hegemônico utilizar de ferramentas
antidemocráticas para manter o poder. E é nesse ponto que as discussões sobre o
vice perdem suas consistências atualmente, pois, entendem essa posição na
lógica do voto. Mas a escolha de um candidato por parte do povo depende da
agenda, depende de o candidato se encarnar no imaginário popular como detentor
da proposta – hoje mais latente - de mais justiça social. Um posto que Lula ocupa
quase que naturalmente e sem concorrentes.
O Vice é a oferta da cristianização[ii].
Em determinado momento da
Campanha os agentes antidemocráticos deverão reunir seus exércitos para dar fim
a um processo no qual a derrota é certa. E nessa hora, pontes de ligação com
aquela banda da elite e seus operadores predispostos a aderir o golpe será
fundamental para contrapor fisiologicamente os acenos dos golpistas.
Numa reunião contra a democracia as
propostas nada tem a ver com aquele lenga-lenga patriótico e anticorrupção, que
são as justificativas apresentadas entre louvores a Deus, Pátria e a família nos
discursos para o público, mas, com promessas de cargos e dinheiro que é o real
interesse dos mercenários - milicianos do judiciário, do congresso, das forças
armadas e do mercado - em troca do apoio a ruptura institucional. E é óbvio que
não se anula a força dessas ofertas com chamadas a consciência democrática ou
apelos em favor da soberania da Pátria. O jogo é sujo e é necessário alguém
para chafurdar nessa lama antes de o País atolar num lodaçal, como o que nos
encontramos atualmente.
Temer foi peça chave no golpe de
2016. Atualmente tido como um dos maiores traidores do Brasil, ele poderia ter
sido aquele que se recusou a aderir a aventura golpista e atuar contra ela,
aumentando as chances de a mesa ser virada naqueles dias tenebrosos de quebra
da ordem institucional. E personagens como: Aécio Neves, Romero Jucá, Paulo
Skaf e até mesmo o General Eduardo Villas Bôas, tomariam destino, senão
idêntico ao de Eduardo Cunha, certamente diferente do que assistimos nos tempos
atuais e bem mais próximo da infâmia que se reserva aos derrotados nesse tipo
de empreitada.
Ninguém sabe quantas vezes esses
mesmos atores ou outros de igual estirpe – longínqua na história política
brasileira - tentaram levar adiante suas intenções antes de 2016 e qual papel
jogou José Alencar, vice de Lula, para barrar as conversações iniciais, pois, é
normal que essas movimentações aflorem somente depois de consolidada uma tropa
com reais chances de vitória, senão ficam restritas aos porões fétidos de onde
se originam todas as ditaduras e se tornam assuntos proibidos, sabidos apenas por
poucos envolvidos na trama e na contra inteligência.
Então, nada está no papo e,
menos ainda, a tarefa de reunir um exército em torno de Lula tem início
ou depende exclusivamente da escolha do Vice. É necessário cuidar da proposta
que manterá a cidadela do PT fortalecida e poderá derrubar as cidadelas do
fascismo e do neoliberalismo para consolidar uma vitória pelo voto popular.
Esse cuidado com a agenda passa por saber quais pontos podem ser negociados
para anular as tratativas golpistas que permitirão discutir um nome que esteja
pronto a chafurdar na lama para garantir o acordo, que poderá: pacificar a sociedade
com um mínimo de democracia, tirar o país do mapa da fome, acabar com a miséria
absoluta e a extrema pobreza, elevar o país a quinta potência econômica do
mundo com distribuição de riquezas, funcionando
a pleno emprego, como referencia mundial nas questões de gestão e transparência
públicas e proteção de minorias e do meio ambiente e etc...
Assim é que se lida com essa banda podre da sociedade brasileira quando a melhor opção, que é uma revolução sangrenta, não está posta no horizonte. Florestam Fernandes advertia que deveríamos escolher um caminho para fazer a revolução; ou por dento ou por fora do sistema. A esquerda brasileira dispensou o instrumento apropriado para cortar o mal pela raiz e não pode se dar ao luxo de viver marcando uma posição que nunca avança e só regride. Então, deve usar todos os instrumentos para a tomada do poder sem moralismos burgueses e seguir impondo sua agenda e buscando construir uma nova hegemonia com a certeza de que, desta maneira consensuada, nunca será aquela de seus sonhos, mas cada vez menos opressiva social e economicamente para o povo e menos propensa a rupturas institucionais.
A cristianização dos oponentes de
Lula é um desdobramento plausível de acontecer ainda no primeiro turno
das próximas eleições e mais ainda provável num eventual segundo turno. Entretanto, para
que as traições ocorram, as portas devem estar abertas para aqueles que vislumbrarem
a derrota de seus candidatos, pois, sem outro caminho a seguir, o golpe será a única
maneira de garantirem sua continuidade no poder, que é só o que lhes interessa.
Reservemos, portanto, um chiqueiro para os abrigar como convém onde possamos
vigiá-los de perto e abatê-los no momento apropriado.
[i] Autor dos livros: A cabeça do brasileiro e o voto do
brasileiro
[ii]Cristianização, na política brasileira, é a situação em
que um candidato perde o apoio do seu partido, que passa a apoiar outro com
mais chances de vitória numa eleição.
O AUTOR EXPÔS, NA MINHA OPINIÃO, MOTIVOS PARA NÃO SE ESCOLHER UM VICE PUSILÂNIME COMO O PICOLÉ DE CHUCHU.
ResponderExcluirExcelente análise do momento político, estão mudando o foco no vice.
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