Estamos vivendo tempos tão reacionários que um candidato como Gabriel Boric, vencedor do pleito presidencial chileno, é chamado pela mídia de "esquerdista". Sim, comparado ao sujeito que ele derrotou, José Antonio Kast, um pinochetista nada enrustido, Boric parece realmente um radical de esquerda.
Benedito C. dos Santos - Historiador
Boric é oriundo das lutas de trabalhadores e jovens do país, travadas desde a década passada contra a barbárie pinochetista neoliberal. É importante lembrar que o pouco saudoso governo do general Augusto Pinochet foi um dos primeiros a implementar um sistema político onde liberalismo e autoritarismo fascistóide andaram de mãos dadas. Em outras partes da América do Sul a mídia corporativa - No Brasil, leia-se "Estado de São Paulo e "Globo" - criticava sempre o excesso de estatismo dos governos autoritários do continente e poucas vezes suas graves violações de direitos humanos. Que pouca gente ligava quando vitimava camponeses, trabalhadores pobres e esquerdistas em geral. Augusto Pinochet realizou o sonho desses "liberais". Não era a toa que a economia pinochetista - com privatizações, arrocho da renda dos assalariados e abertura para o capital estrangeiro - recebia elogios de gente como Roberto Campos e Friedrich Von Hayek, grandes arautos do liberalismo econômico, que não se incomodavam que seus preceitos fossem absorvidos por um regime que assassinava opositores.
Vale lembrar ainda que o governo do ditador chileno incorporou os préstimos dos discípulos da chamada Escola de Chicago, os célebres "Chicago Boys", economistas formados pela Universidade de Chicago, arautos do pensamento que viria a ser chamado de neoliberalismo. Que teve na ditadura pinochetista seu balão de ensaio antes de ser adotado com êxito - para a alta burguesia é claro - nos EUA sob Ronald Reagan e na Grã-Bretanha de Margaret Thatcher.
O suposto esquerdismo de Boric e de seu partido, A Convergência Social, está relacionado, portanto, à defesa das mulheres, dos povos originais chilenos, sempre perseguidos e marginalizados, da população LGBTQI+ e a defesa de uma economia menos excludente.
No Chile, para se ter uma idéia, não existe universidade pública. A aposentadoria - privada - é irrisória, o que é responsável pela taxa alarmantes de suicídios de pessoas idosas no país. Ou seja, o paraíso prometido pela mistura de fascismo e liberalismo da era Pinochet, que até então os governos democraticamente eleitos, ora da esquerda tradicional, ora de uma suposta direita liberal, se recusaram a combater, e que era exaltado pelo mundo afora, inclusive por paga-paus como o nosso pouco amado ministro Paulo Guedes, mais cedo ou mais tarde teria que ser contestado por alguém. Há muito esquerdismo radical nisso? A resposta é SIM para aqueles que imaginavam que o neoliberalismo seria o fim da História, como chegou a ser vaticinado no fim do século passado. Felizmente não era e como dizia Trotsky, o bolchevique, não há vingança mais terrível do que a vingança da História. Com H maiúsculo!
Por outro lado, em que pese o alívio da derrota da direita fascista representada por Kast, é preocupante que 44% do eleitorado tenha sido seduzido pelo seu discurso. Apoiado por empresários, que chegaram a fazer gestões para tirar de circulação ônibus nos centros urbanos onde se sabia que Boric ganharia a eleição, e por uma classe média reacionária, saudosa dos tempos de "ordem" (não lembra um outro país do continente, que nem mesmo faz fronteira com o Chile?), fica claro que a luta continua, é claro. E que o jovem presidente chileno terá uma árdua tarefa pela frente. Mas, por enquanto, é reconfortante apreciar - mais uma! - a derrota da direita fascista!
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