Ditado espanhol: “Cría cuervos y te sacarán los ojos”
Crie corvos e eles te arrancarão os olhos!
A derrota inequívoca do imperialismo norte-americano no Afeganistão foi comemorada por alguns (poucos) setores da esquerda, que, contudo, pouco sabem das particularidades desse país, e tampouco conhecem a história de organizações como Talibã e Al-Qaeda , grupos políticos bastante complexos, a quem a mídia ocidental, quando foi do interesse dos EUA, rotularam com a pecha de “terrorista”, mas que na verdade foram alimentados e treinados pelos serviços secretos dos EUA e do Paquistão, antigo aliado dos ianques nessa parte da Ásia.
Por: Benedito Carlos dos Santos - AFEGANISTÃO OU O CRIA CUERVOS IANQUE II (OU QUANDO HOLYWOOD GLORIFICAVA BIN LADEN)
Para entender a razão de o Talibã ter tomado o poder com tanta facilidade e, pior, com apoio de uma parte significativa do povo afegão, é necessário compreender a comédia de erros que foi desde sempre a política estadunidense no Oriente Médio e na Ásia Central, onde muito frequentemente foram obrigados a provar do próprio veneno ou, para citar o ditado espanhol, criaram corvos que lhes arrancaram os olhos.
É necessário entender ainda a complexidade e heterogeneidade étnica e política do Afeganistão, que já foi chamado o “Túmulo dos Impérios” – afinal nenhuma superpotência conseguiu submetê-lo totalmente – e a própria inexistência, durante séculos, de um governo centralizado nos moldes imaginados pelos países ocidentais.
É muito fácil classificar a população afegã, ora como um bando de bárbaros entusiastas de uma organização terrorista, ora pobres reféns de um bando de lunáticos que explodem estátuas e tiranizam mulheres. Há um pouco disso tudo no Afeganistão, assim como em outras partes do mundo, islâmico ou não, mas a realidade, como costuma acontecer, é muito mais complexa.
A imprensa dos EUA, muito frequentemente lacaia dos interesses do Departamento de Estado, apresenta a organização que tomou (de novo) o poder no Afeganistão como se fosse simplesmente formada por um grupo de fanáticos que surgiram aparentemente do nada com o único intuito de golpear as bases da civilização cristã ocidental, seja lá o que diabos tal coisa signifique!
Muito tem se falado de uns tempos para cá de um choque civilizatório. Na verdade, desde 1993 quando Samuel P. Huntington publicou "O choque de civilizações", onde praticamente inventou uma nova Guerra Fria, dessa vez contra o Islã e suas - palavras do autor - “fronteiras sangrentas”.
Pois bem. Os Estados Unidos e os países capitalistas europeus nunca se importaram muito em apoiar ditaduras islâmicas ou de qualquer matiz religioso ou político quando isso foi um bom negócio. Curiosamente governos do Oriente Médio, Ásia Central, África e extremo oriente, quando tentaram estabelecer estruturas modernizadoras, acabando com privilégios de classe ancestrais e impondo igualdade étnica e direito às mulheres, foram acusados frequentemente de “comunistas” e substituídos, com as bênçãos dos EUA, por… ditaduras religiosas, oligárquicas ou etnocêntricas. Às vezes tudo ao mesmo tempo. Ou seja, o conflito civilizatório existe quando Tio Sam e seus aliados quer que ele exista.
Monarquias autocráticas como a Arábia Saudita, ou ditaduras como o Paquistão, contudo, não obstante seu caráter islâmico retrógrado, jamais receberam reprimendas dos governos ocidentais “civilizados e democráticos''. Ou no máximo receberam tímidas admoestações retóricas. Ou seja, perdoa-se o autoritarismo dos aliados e por vezes até mesmo incentiva-se, mas dos inimigos exigimos a democracia! Democracia que garanta para estadunidenses e europeus abertura econômica, albergamento de tropas e repressão aos contrários a tais ações e interesses.
Não estamos aqui a santificar governos terceiro-mundistas. Por vezes governos supostamente anti-imperialistas descambaram ao longo da História para ditaduras de partido único cruéis e sanguinárias. Outras vezes, governos que se propunham laicos, modernizantes ou socialistas traíram seus princípios originais e se transformaram em regimes corruptos burocráticos e autocráticos. O que muitas vezes jogou as massas populares nos braços de organizações reacionárias que prometiam ordem, combate à corrupção e o eterno retorno a um ambiente familiar caracterizado pela defesa de valores ancestrais moralizadores.
Que é exatamente o que ocorreu no Afeganistão. Com o auxílio luxuoso dos Estados Unidos. E com alguma participação da finada União Soviética.
RECOMENDAÇÃO DO SBP
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