quarta-feira, 19 de agosto de 2020

REED X SOCIALISTAS? PRECISAMOS ILUMINAR O DEBATE POLÍTICO-IDENTITÁRIO

             

ADOLPH REED E OS

SOCIALISTAS DEMOCRÁTICOS DA AMÉRICA

UMA  PEQUENA CONTRIBUIÇÃO DO COLETIVO CAMINHO LUMINOSO PARA O DEBATE POLÍTICO-IDENTITÁRIO

           Cinemateca: Crítica: Orgulho e Esperança (Pride, 2014)

Lemos no dia de ontem (18/08/2020) numa matéria do Globo, traduzida a partir do “New York Times”, que Adolph Reed, intelectual negro marxista norte-americano, teve uma palestra cancelada na Universidade da Pensilvânia.

A chamada da reportagem dá a atender que foram grupos esquerdistas e antirracistas negros que fizeram gestões para que a palestra fosse cancelada. A leitura da matéria, contudo, não deixa isso claro. Vamos entender:

Reed, professor emérito da universidade que cancelou sua palestra, uma iniciativa dos Democratas Socialistas da América, a crescente ala esquerda do Partido Democrata – que apoiou Bernie Sanders nas prévias para indicar o candidato presidencial democrata em 2016 e 2020 – é um crítico contumaz das políticas econômicas e sociais dos democratas, as quais ele acusa de neoliberais. Reed não poupou, por exemplo, a política econômica e a política externa de Bill Clinton, sendo ainda um crítico severo do que ele chamou de “neoliberalismo” de Barack Obama.


                Essas críticas, diga-se de passagem, tornaram Reed um adversário tanto dos conservadores agrupados no Partido Republicano, quanto dos chamados “liberais” – o que nos EUA equivale a algo próximo da esquerda – defensores do Partido Democrata.

                Há nos EUA nos últimos anos uma preocupação com o que se chama de “polarização ideológica”. Tal como no Brasil a polarização, parte principalmente da extrema direita, que tem em Trump seu principal ídolo, mas que também se esgueira, não tão sorrateiramente, pelos porões sombrios do fanatismo religioso, do machismo, da homofobia e do racismo. Uma verdadeira “frente popular” fascista que procura se insurgir contra a América que esses fanáticos consideram esquerdista e liberal. Tudo em favor da volta aos “Old Times” – nunca especificando que bons tempos são esses - e do jargão “America First”.

                Tanto lá como cá, por parte dos liberais moderados - que do lado de cá estão mais para a extrema direita – critica-se os que reagem contra a ofensiva fascista, comparando oportunística e covardemente antifascismo e fascismo, antirracismo e racismo, machismo e feminismo, defesa dos direitos LGBTQI com homofobia, como se se resumisse aos dois lados de uma mesma moeda. Como se tudo pudesse ser explicado colocando lado a lado e com pesos iguais o opressor e o oprimido.

                Os que fazem isso são no fundo – e na superfície! - indivíduos que concordam com vários pressupostos sociais e econômicos – neoliberalismo! – da extrema direita, mas se escondem atrás de uma falsa isenção à espera que um líder moderado de centro caia dos céus e continue realizando as mesmas políticas, mas com palavras mais amenas e vagos acenos vazios e inócuos aos grupos identitários.

 

RAÇA X CLASSE X GÊNERO X ORIENTAÇÃO SEXUAL = POLÍTICA

High Blood Exhibit Boils Down Issues of Race, Gender, Sexuality & Politics.

 Em pleno século 21 muitos de nós progressistas julgávamos ultrapassada a falsa dicotomia colocada na temática antirracista entre privilegiar a discussão identitária (no caso a questão racial) ou a discussão social focada nas condições de pobreza impostas, tanto nos EUA quanto na maior parte do continente, aos afrodescendentes.

          Esse debate não é exatamente novo nem restrito ao universo antirracista, entretanto. Os movimentos feministas e LGBTQI vivem às voltas com questões semelhantes.

        Muitos companheiros da esquerda criticam os movimentos identitários por não defenderem uma pauta política mais ampla, incorporando ao discurso de raça, gênero e orientação sexual uma retórica de transformação social anticapitalista e antiburguesa.

        Outros criticam tais movimentos, acusando-os de dividir os trabalhadores, tirando o foco da luta econômica.  Ora, trata-se de uma falsa dicotomia!

           Afrodescendentes no Brasil são, na maioria das vezes pobres e, afastados desde cedo dos bancos escolares pela necessidade de ganhar o pão de cada dia. Mas, mesmo quando alcançam a média de estudos de um homem branco, são preteridos nos melhores empregos, nos cargos de chefia e nas funções que permitem maior visibilidade social e melhores ganhos econômicos. Idem em relação às mulheres. Gays e lésbicas, então, nem se fale. São relegados a alguns guetos e subguetos profissionais, mal obtendo o próprio sustento material e ainda sendo submetidos à violência de todos os tipos, notadamente das forças policiais e de bandos de fascistas homofóbicos, frustrados e mal resolvidos sexualmente.


        Então, por que não se discutir pautas identitárias juntamente com as questões econômicas, a violência e o preconceito institucionais?

                Mas, voltando ao episódio dos EUA ficam algumas suspeitas no ar:

1-      Embora tenha trazido um novo fôlego ao combalido Partido Democrata, o movimento dos Socialistas Democráticos da América não é muito bem visto por boa parte da burocracia partidária, uma vez que abalou o poder de alguns “senhores feudais” e ajudou a arejar alguns feudos consolidados. Contra a vontade dos donos dos feudos, diga-se!

Exemplo: Alexandria Ocasio-Cortez, uma das estrelas em ascensão do movimento, conquistou em 2018 a indicação do 14º distrito da cidade de Nova Iorque para a Câmara dos Representantes (Câmara dos Deputados), derrotando Joseph Crowley, dirigente, burocrata, lobista e raposa velha e escolada da política partidária. Ocasio-Cortez mobilizou jovens, imigrantes e trabalhadores, o que foi saudado por muitos, mas irritou o establishment partidário nova-iorquino;

 

2-      O movimento mencionado nem é assim tão de esquerda. No Brasil Ocasio-Cortez talvez fosse filiada ao PSB ou militasse na ala mais conservadora do PT. Mas estamos falando dos EUA! Embora exista nesse país vários partidos, organizações e movimentos de esquerda – sim, eles existem! – desde o fim da Segunda Guerra Mundial, republicanos e democratas, às vezes sem grandes e significativas diferenças, alternam-se no legislativo, nos governos estaduais e na presidência da república. A ferocidade da “caça às bruxas”, ou seja, do “Red Scare”, a paranoia anticomunista que tomou conta dos EUA nos anos iniciais da Guerra Fria, praticamente interditou os partidos de esquerda. Desde a década de 1950, mesmo os políticos norte-americanos progressistas fugiam da pecha de “esquerdista”, que lhes poderia trazer problemas, hostilidade do eleitorado e afugentar polpudas doações de campanha. Rendia muito mais dividendos políticos se declarar a favor da segregação racial do que se assumir como socialista. Ou comunista. Ou trabalhista. Ou socialdemocrata. Até alguns tons de liberalismo eram considerados suspeitos nessa época.

3-      O velho Partido Comunista dos EUA, tratado pela historiografia tradicional apenas como um apêndice da espionagem soviética durante a Guerra Fria – o que é uma injustiça! – apesar dos seus inúmeros defeitos, tentou, principalmente nas décadas de 19340 e 1940, integrar trabalhadores brancos e negros. O que valia aos comunistas os insultos clássicos desferidos pela escória segregacionista do sul, que os acusava de “nigger lovers” (amantes de negros, com toda a carga sexual que o apelido carregava) e muito frequentemente tentava-se associar o movimento pelos direitos civis ao grande “complô comunista”.  O célebre poema “América” do poeta beatnik Allen Ginsberg satiriza essa paranoia.

(continua)

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